O dia em que o Médio parou para refletir sobre racismo - Vera Cruz

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O dia em que o Médio parou para refletir sobre racismo

Diários do Vera

O dia em que o Médio parou para refletir sobre racismo

Bateu 10h15 e o pátio da unidade Baumann se encheu de gente. Alunos e alunas que se reviam depois de muito tempo, ou que talvez se conhecessem cara a cara pela primeira vez. Era um dia especial. Para o Ensino Médio, o 2 de setembro marcou o retorno às atividades presenciais nas três séries, sem esquema de rodízio. Às 10h30, fez-se o silêncio. Sobrou uma solitária e indispensável voz na secretaria para atender aos telefonemas. Todo o resto da comunidade escolar -- estudantes, professores, funcionários -- parou. Afinal, era um dia especial. Todo mundo se reuniu para discutir relações raciais na escola.

A educação antirracista se tornou um tema central no Vera. Por meio do Projeto Travessias, a escola tem desenvolvido ações contínuas para combater o racismo estrutural, por meio da sensibilização da comunidade, da valorização da cultura e história afro-brasileira e indígena no currículo e do aumento da representatividade negra entre alunos, educadores e cargos de gestão. O Fórum de Debates, evento tradicional de reflexão no Ensino Médio, existe desde 2003 e neste ano abraçou a ideia de refletir sobre o tema.

A atividade teve a proposta de discutir nove indicadores específicos sobre relações raciais na escola, extraídos de um material de formação da ONG Ação Educativa. Cada um dos 16 grupos, compostos pelos três segmentos da comunidade escolar, deveria debater dois indicadores. O número 1 --  “intervenção imediata contra xingamentos, piadas e apelidos discriminatórios” -- era comum a todos, e foi o primeiro a ser abordado.

O hall da midiateca foi o ponto de encontro do grupo 13. A sequência de atividades foi conduzida por Luiz Felipe, professor de Educação Física, e Simone, psicóloga escolar da 1a série do Médio. A proposta, claro, era que todos falassem: 15 alunos e alunas do 1o ao 3o ano, e Patrícia, da secretaria, a representante dos funcionários. Cada indicador se desdobrava em uma série de perguntas para avaliar as condutas da escola. Se estivesse tudo bem, o grupo sinalizaria com adesivos verdes; se houvesse pontos de avanço, com a cor amarela; e, se muita coisa estivesse inadequada, sinal vermelho.

“Primeira pergunta”, anuncia Luiz Felipe. “A escola reconhece xingamentos, piadas, apelidos pejorativos contra pessoas negras?”

A discussão começa tímida, com o grupo talvez enferrujado pelo ano e meio longe do convívio social. Os primeiros adesivos são verdes, mas logo a questão vai ganhando outros tons. Uma aluna da 3a série escolhe o amarelo. E justifica:

“Nunca presenciei racismo explícito no Vera. Mas o bullying é assim mesmo: não é visível, mas encoberto.”

A turma vai se soltando para trazer nuances. Uma aluna da 1a série lembra que o ambiente na escola é predominantemente branco. “Se tivéssemos mais alunos negros, o problema poderia existir”. Uma aluna da 3a série amplia o olhar para o conjunto da comunidade. “Temos de considerar também que o racismo pode atingir professores e funcionários.” Opiniões na mesa, a tarefa passa a ser construir um posicionamento coletivo para a questão. Cabe a uma aluna da 1a série apresentar uma síntese:

“Achamos que a cor amarela representa esse indicador melhor, pois ao mesmo tempo que um certo racismo velado existe, ele seria visto como um ato gravíssimo pelos coordenadores caso fosse descoberto.”

O debate avança. “Apelidos pejorativos, piadas e xingamentos são entendidos como ofensa e humilhação e não como ‘brincadeira inofensiva’?” Luiz Felipe partilha uma experiência pessoal. “Tenho tomado um milhão de cuidados porque entendi que a gente só muda se começar pela linguagem”. O grupo sinaliza um descompasso entre professores e alunos, apontando a influência das turmas de amigos. “Hoje estou segura para sinalizar ofensas, mas talvez antes eu me sentisse silenciada”, reconhece uma aluna da 3a série. A autoanálise de uma colega do mesmo ano é parecida. “Me esforço para não encarar como brincadeira, mas às vezes cedo para não ser a chata do grupo.”

Àquela altura, com a turma mais desinibida, as falas se multiplicam e o consenso fica mais difícil. Alguns posicionamentos são decididos por votação. No caso da discussão sobre a existência de canais para formalização de denúncias, o grupo se divide: 3 votos para o verde, 5 para o amarelo e 6 para o vermelho. No geral, a conclusão de que o Vera trouxe o combate ao racismo para o meio da roda, mas que há muito a evoluir. “O caminho é esse”, afirma a psicóloga Simone. “O Fórum de Debates deste ano teve o papel de despertar para a temática antirracista. Para muitos de nós, esse olhar ‘para dentro’ é uma novidade, indica que a questão não estava posta”.

Para o Ensino Médio, são os passos iniciais de uma caminhada. “As discussões em grupos vão alimentar um painel síntese e, posteriormente, um plano de ação que dialogue com o trabalho que o Vera está propondo”, explica a coordenadora Ana Bergamin. “Acho que conseguimos o engajamento e a reflexão sobre o tema”, diz Simone. “Também pensamos nas transformações”, completa Luiz, dirigindo-se aos alunos: “Quem sabe as turmas que estão hoje no 1° ano terminem o 3° em uma escola diferente – e melhor”.

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