Pelos caminhos do Quilombo de Ivaporunduva

Por Gabriely Araújo

A visita dos estudantes do 5º ano ao Quilombo de Ivaporunduva, no interior de São Paulo, tocou profundamente a turma. Mesmo um bom tempo após a viagem, a professora de Arte Tatiana Fecchio notou que as memórias da viagem permaneciam vivas nas conversas espontâneas que aconteciam durante as aulas. “Lembra daquela história do Ditão?”, “Lá não era cada um por si, eles faziam para todos”, “Nunca vi tanta bananeira junta!” e “A escola era parecida com a nossa, mas lá eles também aprendiam fora dela” são algumas das frases que ela lembra ter ouvido da turma.

O trabalho de campo realizado nessa comunidade foi parte do projeto “As comunidades tradicionais do Brasil e as formas de resistência no território”. Como parte do projeto, conhecimentos de História e Geografia foram trabalhados tendo como valores a ancestralidade e a memória (leia a matéria de capa sobre valores civilizatórios afro-brasileiros). Entre os temas problematizadores desse estudo, estavam “a valorização da diversidade de saberes e vivências a partir do conhecimento dos modos de vida de povos tradicionais, em diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais, sociais e econômicas”.

A ida ao Quilombo de Ivaporunduva aconteceu em agosto de 2023. Com evidências de ter sido formado no século 16, o quilombo hoje abriga cerca de 80 famílias para as quais a agricultura, em profunda relação com a Mata Atlântica, é uma das principais atividades econômicas. Nessa interação, os estudantes puderam conversar e aprofundar seus estudos sobre a cultura quilombola, seu modo de vida, suas conquistas e desafios.

Após o retorno e ao notar o quanto os estudantes estavam impactados pela visita, a professora Tatiana decidiu propor que as vivências e as lembranças das conversas com os moradores do quilombo fossem recriadas e expressas em instalações artísticas. Para tanto, a professora  propôs que os alunos refletissem: “Deste estudo, o que foi mais significativo?” e “O que foi mais marcante?”. Com sentimentos, experiências, conhecimentos e reflexões revisitados, a professora então convidou os estudantes a realizarem, em duplas ou trios, propostas de instalação.

Para que eles pudessem ampliar e aprofundar o estudo sobre instalações artísticas e entender suas especificidades, que as tornam muito diferentes de quadros ou esculturas, a professora organizou uma visita à exposição “Dos Brasis: arte e pensamento negro”, no Sesc Belenzinho, que reunia obras de ​​240 artistas negros, entre homens e mulheres, de todos os estados do Brasil.

“A etapa de criação dos esboços e propostas foi um momento cheio de belezas. Pude ver os estudantes articulando conceitos em metáforas que se relacionavam com aquelas percepções mais significativas vistas em Ivaporunduva”, conta a professora Tatiana. Uma das propostas consistia na criação de uma árvore serrada ao meio. “Esta árvore está cortada por uma serra que representa o branco, como se na escravização ele tivesse atrapalhado o desenvolvimento da árvore, querendo cortar a tradição”, explicou um dos alunos.

Os estudantes escolheram, por votação, quais projetos seriam construídos, em formato de maquete, coletivamente. No total, 20 projetos foram realizados.

A professora pediu, também, para que os alunos elaborassem um texto explicitando suas ideias, que foram expostos durante o mês de novembro, quando se comemora o Dia da Consciência Negra.

Nossa instalação apresenta um rio de acontecimentos: primeiro ele é amarelo, representando a África e os africanos. Então, ele fica vermelho, dizendo do período no qual os africanos foram capturados e, depois, escravizados. No final, o rio fica azul, comunicando um novo momento de liberdade. Provavelmente, mesmo libertos, eles prefeririam nunca terem saído da África. (texto elaborado pelas alunas)

Apesar das situações de opressão, os negros sobreviveram até hoje a partir de seus conhecimentos tradicionais que são passados de geração em geração, resistindo ao racismo, à desigualdade, à violência e à tentativa de apagamento. A árvore representa um caminho que vai da base até o topo verde, passando por um longo processo no qual os conhecimentos tradicionais foram fundamentais para a sobrevivência destes grupos. Na base as cinzas da opressão foram transformadas pelo fogo e o topo verde mostra a possibilidade de uma vida melhor.  (texto elaborado pelas alunas)

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.