O meu black tem power

Beatriz Calais 

Danilo trouxe o seu pente garfo e as crianças amaram!

Em 1966, Stockley Carmichael, um dos grandes nomes do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, criou a expressão black power (“poder negro”, em tradução literal). Desde então, para além de um instrumento estético, o estilo black é um símbolo de resistência e cultura, que marcou o uso do cabelo natural como enfrentamento à estética eurocêntrica imposta pela sociedade norte-americana. 

Danilo Santana, professor do 1º ano da Escola Vera Cruz, sabe bem sobre o histórico que seu cabelo carrega. Seus alunos de 6 anos, no entanto, enxergavam o black de acordo com o que conhecem do mundo: “O cabelo do Danilo é muito macio! É muito fofinho! Parece lã! É sedoso! Parece algodão doce!”, diziam, no início de 2021. 

“A diferença saltou aos olhos das crianças, mas não de uma maneira negativa. Elas eram muito afetivas e elogiavam meu cabelo. Mas a pergunta principal que fizemos foi: vocês nunca viram um cabelo assim?”, conta Danilo. “Para muitas delas, até então, eu era a única referência próxima com essas características. Abrimos um espaço de conversa para refletir sobre esse tema.” 

Para Juliana Parreira, orientadora do 1º ano, a preocupação era que tudo precisava ser feito com cuidado, para que as crianças não enxergassem Danilo a partir do exótico, como um objeto de estudo. “Quando as dúvidas sobre o cabelo começaram a surgir, isso se mostrou como uma questão socialmente viva. Por isso, nos sentamos juntos e buscamos maneiras de tratar o assunto. O Danilo sempre esteve à frente das atividades como um sujeito pesquisador”, explica a orientadora. 

Aos 38 anos, o professor tem trajetória de quase 20 anos na educação, a maior parte em escolas públicas. “Sempre trabalhei às margens, dando aulas para alunos pardos e pretos como eu. Fazer o caminho contrário está sendo muito interessante. ‘Como faço para eles me enxergarem além do cabelo fofinho? Como fazer que eles entendam que eu e meu cabelo temos uma história por trás?’ Por isso, decidimos mergulhar nesse projeto, que batizamos como ‘Cabelos Contam Histórias’.”

O que começou com a admiração pelo cabelo do professor foi se expandindo em uma nova visão de mundo para as crianças. “Elas passaram a prestar atenção em outras pessoas que tinham o cabelo parecido com o meu, fosse numa curta viagem de táxi ou num passeio no parque. Até que, um dia, uma das crianças percebeu que meu cabelo era mais comum em crianças negras. A partir do meu black, fomos aprofundando outras temáticas”, conta Danilo. 

“Introduzimos a história do Black Power e, finalmente, algumas leituras sobre preconceito. Parece apenas um cabelo, mas, a partir dele, começamos a questionar por que não havia pessoas negras no ciclo social deles e por que eu era o único negro da sala”, completa. As atividades a seguir tiveram como base esse questionamento.


A importância do professor negro

A partir da atividade “Cabelos Contam Histórias”, os orientadores do 1º ano começaram a questionar se as crianças não conheciam outras pessoas parecidas com o professor. Algumas delas até conheciam, mas, surpreendentemente, não as relacionavam com a figura de Danilo. “Conversamos muito com eles sobre isso. Quem é a sua empregada? Qual o nome dela? Qual a história dela? As famílias começaram a receber esses questionamentos dentro de casa e foi muito importante a recepção delas a esse projeto”, diz Danilo. “A minha realidade é completamente diferente da que essas crianças vivem. O nosso contato amplia a visão de mundo delas.”


Quem sou eu?

A professora Paula Tonetto, também responsável pelo 1º ano, diz que as conversas sobre o black power ajudaram no estudo das características hereditárias dos seres vivos, já que as crianças entenderam mais sobre a origem do cabelo do professor. “Elas começaram a tratar o DNA como a receita do corpo. Conversamos sobre os aspectos biológicos e culturais dos nossos antepassados. Como a cultura também é passada de geração para geração? Relacionar-se com os aspectos culturais da sua ancestralidade é como ‘vestir’ seu DNA. Isso ajudou as crianças a entrarem em contato com o assunto por meio de jogos, brincadeiras, músicas e histórias africanas e afro-brasileiras.” 


Entendendo a própria pele

Numa atividade do G5, as crianças tinham que pintar um grande desenho e, para isso, faziam misturas com tinta guache. Uma das variações que surgiu foi o rosa claro, e uma das crianças disse ter adorado aquela “cor de pele”. “Foi a partir daí que decidimos conversar com elas sobre o que seria uma cor de pele”, recorda a professora Julia Souza. Junto com a colega Andrea Ravanelli, elas apresentaram leituras como Benedito, de Josias Marinho, em que uma criança se descobre negra na batida do tambor do congado. As crianças da sala começaram a se questionar e entender que, tanto para o branco quanto para o preto, há diferentes tons de pele. No nosso ‘quem sou eu?’, cada criança pode olhar para si em termos de pele e traços”, finaliza a educadora. 

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.