Antirracismo no Vera, ano 1

Beatriz Calais e Maria Laura Saraiva

Após quase dois anos de ensino remoto por conta da pandemia de covid-19, o início do ano letivo para Sarah, de cinco anos, teve um gosto diferente. Pela primeira vez, desde a época da creche, ela sentiu a ansiedade de encontrar novos amigos e professores em uma escola completamente desconhecida – o nosso Vera Cruz. “É uma nova rotina, tanto para ela quanto para nós, após tanto tempo em casa. Ela já está animada, só precisa se acostumar com o horário de acordar”, brinca Mônica Augusto, mãe de Sarah. 

Para ela, o maior desejo é que a vivência de sua filha na escola seja sempre assim, com leveza e brincadeiras. “Nós somos uma família bolsista do projeto de educação antirracista do Vera. Fiquei segura quando percebi que o programa tinha um currículo realmente antirracista, capaz de fazer minha filha de sentir pertencente à escola mesmo sendo bolsista”, explica ela. 

“Eu fui bolsista na universidade e sei que a inclusão, por si só, coloca o aluno dentro da escola, mas não trabalha outras questões. Quando me inscrevi no processo de bolsas, os traumas da minha experiência – em uma época em que não falávamos sobre racismo e os bolsistas sofriam muita violência – me deixaram insegura.” A virada de chave para Mônica foi perceber que a escola estava aberta para ouvir sua voz. “Houve uma escuta ativa. Isso é extremamente importante, já que estou lidando com o futuro da minha filha.”

O programa de bolsas é, possivelmente, a iniciativa mais vistosa do projeto de educação antirracista do Vera. Desde 2021, a escola tem o compromisso de ter dois ou mais alunos de famílias negras e indígenas, por sala, no G5, a última etapa da Educação Infantil. Daí por diante, a ideia é manter a gratuidade às crianças contempladas até a formatura do Ensino Médio – um total de 13 anos de bolsa para cada estudante. 

O biênio 2021-2022 já registrou 36 alunos bolsistas, de 5 anos. A partir de 2023 a Escola Vera Cruz passa a incorporar de maneira permanente a responsabilidade pelo ingresso anual de dois alunos negros e indígenas em todas as turmas do Grupo 5, novamente por meio de um programa de bolsas. Além dos alunos custeados pelo programa de bolsas, estudantes adicionais poderão ser admitidos em função do atingimento das metas de captação de recursos junto à comunidade – há um canal de doação para pessoas e instituições interessadas em ajudar a causa. Além das bolsas, o montante arrecadado possibilita um auxílio de custo para as famílias de baixa renda.

O estudante que quiser participar do processo seletivo deve se autodeclarar preto, pardo ou indigena, morar a até 6 km da escola e ter renda familiar de no máximo um salário mínimo e meio por pessoa. “Todas as famílias precisam se sentir pertencentes ao projeto e à escola. Recebemos em rodas de conversa os candidatos elegíveis, explicamos o nosso projeto e os chamamos para construir esse futuro com a gente. Precisamos da parceria para dar certo”, ressalta Angela Fontana, coordenadora do G5 ao 2o ano, o nível 1. 

Respaldada pela trajetória de 42 anos na escola, Angela participou ativamente do nascimento do projeto. No começo de 2019, a instituição chamou o pedagogo Fernando José de Almeida para conversar sobre o futuro da educação. Considerado uma referência na Educação brasileira, o professor titular da PUC-SP provocou: o que precisa ter uma escola no século 21? O que deve se manter no projeto do Vera e o que precisa transformar? “Aquelas perguntas abriram espaço para uma conversa muito rica, deixando evidente que precisávamos ter uma comunidade de alunos e familiares mais diversa”, diz a coordenadora. 

O projeto antirracista do Vera dialoga com as justas preocupações de mães como Mônica. A inclusão é um dos ingredientes de uma iniciativa muito mais ampla, que passa pela formação de professores, funcionários e comunidade, revisão curricular, de materiais didáticos e de metodologias de ensino, e uma autoanálise do racismo estrutural e da branquitude da própria escola. Uma parte importante desse trabalho foi a transformação do corpo docente, com a contratação intensiva de professores e gestores negros que trouxessem a questão da representatividade também para a equipe.

Mônica, que também é educadora – especializada na área de artes –, valoriza o discurso de transformação. “Eu sei o quanto a educação faz diferença nas nossas vidas. Uma escola como o Vera é capaz de modificar a trajetória da minha filha. Prezo que ela possa viver outros ambientes, entender quem ela é e escolher, acima de tudo, o que ela quer ser”, afirma, resumindo o que espera da experiência de Sarah: “Que seja um lugar de potência, e que as pessoas não pretas também embarquem nessa jornada antirracista.” 

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.