Do que é feito um bairro educador?

Por Paula Peres

Se você estiver passeando pela Vila Ipojuca, na zona oeste de São Paulo, não estranhe ao encontrar um grupo de crianças observando tudo ao redor atentamente e, às vezes, até entrando em outros espaços, como a biblioteca municipal, uma padaria ou algum outro estabelecimento comercial. Sempre, claro, acompanhadas de um professor responsável. Trata-se dos alunos do Integral da unidade Vera Cruz do bairro, que completou seu segundo ano de existência em 2023.

Desde o primeiro ano da unidade, a interlocução entre a escola e a comunidade do entorno é um pilar fundamental do trabalho desenvolvido ali. Por isso, esse diálogo é uma parte fundamental da formação dos educadores, promovida pela coordenadora Clélia Cortez. “Estamos fortalecendo a visão de que as crianças já são cidadãs no presente, não precisamos esperar pelo futuro. Elas já podem e devem participar de discussões sobre o território”, afirma ela.

As crianças do G3 e G4, por exemplo, ao passear pelo bairro com a professora Adriana Patarra, ou Nana, como é conhecida, ficaram incomodadas com o excesso de cocô de cachorro nas ruas e decidiram fazer placas informativas que conscientizassem a comunidade a recolher o cocô dos animais. “É diferente de pensar uma intervenção enquanto adulta para as crianças fazerem”, explica Cortez. O problema e a intervenção surgem a partir da ótica dos próprios estudantes. Assim, foi criado um canteiro com ervas na porta da Escola para a comunidade e realizadas intervenções e exposições artísticas com os trabalhos das crianças. “É a infância podendo colocar o seu pensamento sobre a cidade, para que os outros saibam como estão se relacionando com aquele coletivo”.

A relação das crianças com o entorno expande as experiências com o projeto antirracista da Escola Vera Cruz, porque permite a interação com o território onde a diversidade racial é muito presente. Uma dessas oportunidades se dá pela parceria entre o Vera e a EMEI Ana Maria Poppovic, uma instituição de Educação Infantil pública. Por meio desse trabalho conjunto, professoras e estudantes de ambas escolas têm a oportunidade de refletir sobre as relações étnico-raciais e práticas antirracistas.

A parceria se dá entre duas professoras de Educação Infantil: a Nana, do Vera Cruz, e a Vanessa Leite Rosa Morales, da EMEI. Juntas, elas elaboraram um projeto de leitura com suas turmas compartilhando os objetivos de aprendizagem, as indicações de livros para leitura e também o espaço da biblioteca pública Clarice Lispector, espaço próximo à EMEI, que recebe alunos e alunas das duas escolas para rodas de leitura coletivas quinzenais.

O intercâmbio entre as escolas não para nos alunos. Como a EMEI também tem um projeto de Educação Antirracista estruturado pela prefeitura de São Paulo, Cortez aproveita para debater as semelhanças, diferenças, desafios e aprendizagens com as equipes. Essas trocas sobre os projetos e seus documentos geram aprendizados para as duas instituições.


A escola em diálogo com a cidade

A parceria com a EMEI Ana Maria Poppovic é apenas uma das colaborações estabelecidas. O projeto da Vila Ipojuca, por mirar na formação integral dos estudantes, demanda que todas as ações não sejam confinadas apenas aos muros da escola. A perspectiva da Educação Integral defende a relação da educação com a comunidade do entorno da escola, da cidade como um todo, garantindo uma conexão profunda entre a escola e o território.

Outro parceiro importante no ano de 2023 foi a arquiteta Juliana Marques, pioneira nas discussões sobre infâncias e cidade. Por intermédio dela, o Movimento CoCriança, um grupo criado por arquitetas que trabalham o urbanismo sob o ponto de vista das infâncias, soube dos projetos que dão voz e autonomia para as crianças interferirem no espaço urbano na Vila Ipojuca e estabeleceram trocas com o Vera. No final do semestre, Ayumy Pompeia, arquiteta e urbanista, vice-diretora executiva do CoCriança, e Camila Sawaia, arquiteta, urbanista e pedagoga, diretora pedagógica do CoCriança vieram até a escola para discutir o tema com a equipe da instituição. “O Movimento CoCriança tem um grande senso de escuta da comunidade, de construção conjunta em vez da entrega de uma solução pronta que só uma das partes considera adequada”, aponta a coordenadora.

Para os próximos anos, os planos são ainda maiores. “A intenção é de constituir e fortalecer um bairro educador”, sonha Cortez. O grande sonho da escola é que seja construído uma espécie de “quarteirão das infâncias”, para dar mais visibilidade às interpretações que as infâncias fazem do mundo e de quais ações no bairro, como a horta comunitária, são iniciativas das crianças. “O desejo é de que aquele espaço mostre o rastro da infância. São crianças que pensam, que se mobilizam em torno de algo na cidade que mexe com elas”, conclui.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.