“Tenho 30 anos, mas sou negra há dez. Antes, era morena”

Maria Laura Saraiva

Montagem registrada no diário de leituras de Luiza Rezende, 8ºA

Com a revelação que dá título a este texto, Bianca Santana abre espaço para as reflexões de seu livro Quando me descobri negra. Na obra, a jornalista percorre o processo de autoconhecimento em relação à própria etnia, denunciando o racismo e a discriminação que atingem, por todos os lados, mulheres e homens negros ao longo da vida. 

A obra é dividida em três capítulos: “Do que Vivi”, que reúne relatos autobiográficos; “Do que ouvi”, junção de relatos coletados ao longo da jornada da autora e “Do que Pari”, reflexões de experiências compartilhadas e individuais. Com a proposta de dar voz a autores fora da cena tradicional – no caso em tela, uma mulher, jovem e negra –, as professoras Aline Borrely Ataíde e Alessandra Vaz escolheram a obra como um dos destaques da disciplina de Língua Portuguesa do 8º ano. A quatro mãos, as educadoras realizaram encontros virtuais para ler e debater com os estudantes.

Durante o desenvolvimento da atividade, os alunos foram desafiados a embarcar em alguns dos temas que permeiam a fala de Bianca, como os tipos de racismo, discriminação, colorismo, branqueamento, apagamento histórico e interseccionalidade. “De cara, percebemos que existia uma facilidade maior entre os estudantes de identificar situações que eles já haviam vivenciado, como a criação de estereótipos, por exemplo”, explica Aline. “Já em momentos onde era preciso se reconhecer como algozes do outro foi preciso uma mediação maior da nossa parte para que a turma compreendesse o impacto do que havia sido lido, assim como em situações que eles de fato não entendiam como racismo”, explica Aline. 

Ao transmitir a sensação de se estar vivendo na pele cada um dos obstáculos – a situação cotidiana da população negra –, a leitura se transforma em uma experiência reveladora para a turma. A inquietação fica evidente no diário de leitura dos estudantes. Uma das alunas escreve que o contato com a obra foi “muito importante”, principalmente para que ela “percebesse o privilégio em nossa sociedade” e o fato de “vivermos em uma bolha, em uma realidade muito diferente”. Outro estudante retratou a contradição de emoções despertadas pelo livro. “Foi extremamente impactante para mim. Eu não sabia se sorria aliviado ou se chorava depois da leitura”, concluiu.


Verdades inconvenientes

Às margens do Rio Doce, em Minas Gerais, a aldeia dos Krenak repete o movimento das águas e deixa o curso local para desaguar no mundo. Seu líder, o ambientalista Ailton Krenak, de 53 anos, é o autor de Ideias para adiar o fim do mundo, livro que reúne parábolas sobre a humanidade e os tempos atuais a partir da perspectiva dos povos da floresta. Numa leitura compartilhada, a turma do 8o ano se viu desafiada a encarar uma obra não ficcional cujo conteúdo, como explica a professora Aline, ia muito além do subjetivo “gostar ou não gostar”. À medida que a crítica do autor à sociedade contemporânea se tornava mais evidente, maior era o incômodo causado pela sensação de se estar do lado oposto ao que ele defendia. “Foi interessante observar essa resistência inicial dos alunos ao perceber que aquilo que o Ailton falava se direcionava aos brancos e, de alguma forma, para eles também”, explica Aline. “Muitos falaram que tiveram sua vida mudada com a leitura e apontaram a obra como uma das mais relevantes do período escolar.”


Dos livros à galeria

A galeria visual “Negritudes, cultura e literatura” foi uma proposta para a tematização das leituras autônomas do 8o ano. Para a elaboração dos cartazes, os estudantes optaram por autores de diversos países da África cuja obra, de alguma maneira, se mostrou relevante para a história da literatura. As criações ganharam exposição no pátio da unidade Praça Emília e podem ser vistas aqui:

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.