Racismo e preconceito: o que mudou desde Nina Simone?

Por Beatriz Calais

Eu gostaria de saber
Como é a sensação de ser livre
Eu gostaria de poder quebrar
Todas as correntes que me prendem… 
Eu gostaria de poder compartilhar
Todo amor que há em meu coração
Remover todas as barreiras
Que nos mantêm separados
Eu gostaria que você soubesse
O que significa ser quem sou
Então você veria e concordaria
Que todo homem deveria ser livre…

A música “I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free” (‘Eu gostaria de saber como seria ser livre’, em tradução livre) foi escrita por Nina Simone. Como se sabe, Nina foi uma das maiores pianistas, compositoras e cantoras de jazz, blues e gospel da história dos Estados Unidos. Mais do que talentosa musicalmente, a cantora desempenhou um forte papel na luta pelos direitos civis da população negra norte-americana. Nascida em 1933, ela vivenciou a segregação racial e chegou a ser impedida de cursar piano clássico no Curtis Institute, na Filadélfia, onde havia conquistado uma bolsa de estudos em razão de seu talento. 

‘Forever Young, Gifted & Black: Songs of Freedom and Spirit’ e ‘Silk & Soul’: dois álbuns de Nina Simone.

Apaixonada por música, mas impedida de estudar, Nina então optou por tocar piano em bares, o que a tornou conhecida, levando a jovem artista a receber sua primeira proposta comercial – a gravação de um álbum pela Bethlehem Records, em 1957. Enquanto conquistas surgiam em sua vida pessoal, os Estados Unidos ainda conviviam com a chaga das leis de segregação racial, Em contraponto, pulsava a intensa resistência do movimento em defesa dos direitos civis, protagonizado por figuras icônicas como Martin Luther King Jr., Rosa Parks, Malcolm X e, claro, Nina Simone, cujas músicas se tornariam verdadeiros hinos do movimento negro.

No papel, a segregação racial nos EUA chegou ao fim em 1964. Na ocasião, o então presidente Lyndon Johnson sancionou a Lei dos Direitos Civis. Mas as letras de Nina Simone permanecem atuais, não apenas em seu país natal. Nesse sentido, a professora Cláudia Soncini apresentou sua obra aos alunos da disciplina de língua inglesa da 1a série do Ensino Médio, levantando questões sobre a contemporaneidade de seu grito por liberdade. 

“A música da Nina Simone é antiga, mas esse problema que ela descreve acabou ou continua? Essa música é atual?”, questionou a professora. “A partir disso, perguntei a eles o que estava acontecendo no mundo. Foi nesse momento que eles me trouxeram o caso de racismo que aconteceu em Portugal com os filhos dos artistas Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, em 2022. Lemos a matéria que o [jornal] The New York Times deu sobre o assunto e começamos a nos aprofundar ainda mais nas notícias sobre o racismo.” 

Outras propostas foram surgindo. Leitura de contos, desenvolvimento de poemas, performances inspiradas em videoclipes e até mesmo pinturas e ilustrações. Tudo, é claro, em inglês, o que acabou desenvolvendo as competências linguísticas dos alunos. “Quando começamos, eles nem estavam cientes de que essas atividades resultariam em um projeto tão legal. Foi um processo natural que teve uma boa aceitação em sala de aula”, destaca Cláudia. 

*Poemas feitos pelos alunos Eleonora Rhein e Rodrigo Pollak.

Para a aluna Eleonora Rhein, a abordagem foi essencial para que novas ideias e visões de mundo começassem a surgir. “Nas aulas, nós assistíamos entrevistas, ouvíamos músicas, líamos textos, e depois conversávamos sobre tudo isso, o que gerava reflexões bem profundas”, recorda. “Foi muito positivo aprender inglês dessa forma. As aulas sempre me deram uma sensação de acolhimento, permitindo que eu me sentisse mais confortável e, assim, participasse e aprendesse mais. ” 

Na visão da professora, o projeto carrega uma importância ainda maior do que o ensino do inglês como uma língua adicional. “Foi lindo ver o quanto eles são criativos e artísticos. Sempre estão com novas ideias para colocar em prática. Mas temos que ter em mente que esse projeto não é apenas sobre a língua inglesa ou sobre o racismo em si. Foi uma atividade boa para lembrarmos o quanto somos privilegiados e pensarmos no que podemos fazer com esse privilégio”, ressalta.

“In a racist society it is not enough to be non-racist, we must be anti-racist” (‘Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista’, em tradução livre)
-Angela Davis

A frase da ativista política norte-americana Angela Davis, por exemplo, foi trabalhada em sala de aula para que os alunos, em sua maioria brancos, refletissem sobre a sua posição na sociedade. “Foi um trabalho complexo. Dava para ficarmos aqui falando sobre ele por horas, mas o mais importante realmente é gerar essa reflexão nos alunos. Não adianta apenas olharmos para tudo de errado que acontece no nosso mundo. Temos que estar atentos para usar o nosso privilégio como uma arma. O objetivo do ensino antirracista é deixar eles mais conscientes sobre isso”, conclui a professora. 

* Para conferir o resultado do trabalho desenvolvido pela turma, clique aqui!

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.