Do ‘semba’ ao samba: uma descoberta sobre as raízes do Carnaval

Por Maria Laura Saraiva

“Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente”
– Dona Ivone Lara, “Sonho Meu”

Após dois anos em isolamento social, as lembranças dos festejos de Carnaval pareciam ter ficado distantes na memória. 

A turma do segundo ano, por exemplo, mal podia esperar pela retomada dos blocos e bailes organizados na própria escola. Afinal, com seus sete e oito anos de idade, eles haviam passado quase um terço da vida sem vivenciar a festa que marca o feriado mais popular do país. 

Exatamente por isso, a retomada dos festejos pedia uma discussão ainda mais aprofundada sobre alguns elementos que compõem a cultura carnavalesca, como é o caso do samba.

“O Carnaval sempre é um pretexto para o aprendizado da cultura brasileira e das construções humanas. A celebração em grupo também aumenta o sentimento de pertencimento deles a uma comunidade que ri e se diverte junto”, explica a orientadora Juliana Parreira, que destaca a importância da data no currículo do Vera Cruz.


Uma questão ancestral

As professoras Flavia Rizzo e Sheila Perina explicam que o interesse pelo ritmo musical partiu da leitura do conto “Mariana”, de Ana Paula de Abreu. Na história, a menina conta que ouvir samba é uma das coisas que a faz feliz. A partir daí, a turma foi convidada a refletir sobre a importância dessa manifestação cultural para os brasileiros. 

O primeiro passo do estudo foi investigar a etimologia da palavra “samba”, que tem origem no termo “semba”, que em kimbundu – língua falada em Luanda, capital de Angola – quer dizer “umbigada”. A palavra também se refere a um ritmo musical popular no país africano, que possivelmente inspirou o samba como conhecemos hoje. 

O assunto despertou a curiosidade da turma, que, instigada pelas professoras, passou a realizar pesquisas – em sala de aula e em casa – sobre as diferenças e semelhanças entre o semba e o samba.

“Por conta do envolvimento com o tema, no carnaval do Verinha, as crianças decidiram que o nome do nosso bloco do 2º ano seria ‘Semba’”, afirmam as professoras.

Com o intuito de compartilhar as descobertas com outras crianças da escola, a turma decidiu elaborar o mural “Você sabia?”, que trazia curiosidades aprendidas em sala de aula. Além de ficar exposto para toda a comunidade do Vera Cruz, o muro ainda contava com alguns post-its para que houvesse interação de alunos, professores, pais e funcionários.

“Você sabia que o samba nasceu no Rio de Janeiro, e vem da palavra semba e essa palavra nasceu na Angola? O samba veio da África.”

“Você sabia que samba veio do semba e o semba veio da Angola? E dentro de Angola tem os povos kimbundus e para eles semba significa ficar feliz.”

“Você sabia que o samba nasceu no Rio de Janeiro pelo movimento de luta dos negros?”

“Você sabia que os escravizados iam para o Rio de Janeiro depois da escravidão para   procurar emprego e comida porque lá era capital e era única escolha deles e delas?

Entre os bilhetes deixados pelos visitantes, um chamou especial atenção do grupo: ‘Qual o berço do samba?’. “Estávamos quase concluindo o tema, mas, quando notamos esse interesse pela origem da música, resolvemos explorar mais a fundo”, relata a professora Flavia. “Até pela metáfora do ‘berço’, algo tão importante ainda para eles, os alunos passaram a se questionar se o samba era um movimento mundial ou brasileiro. Nesse momento, o projeto ganhou bastante interseccionalidade entre outros assuntos estudados ao longo do ano, como a história do Brasil e a genealogia das famílias”, conclui.


Estudar racismo a partir do samba

Nesse sentido, os caminhos do segundo ano, naturalmente, encontraram a Bahia, o Rio de Janeiro e Angola: estudar o samba deixou de ser apenas uma pesquisa sobre origens e referências, mas sobre o desenvolvimento e adesão do ritmo pelos brasileiros. É quando os alunos percebem que as histórias do samba e do Brasil se misturam.

“Em nossas pesquisas, compreendemos que o samba tem origem africana, assim como muitos de nós, brasileiros – principalmente dos povos de Angola que foram sequestrados e escravizados no Brasil”, explicam as professoras. “Aprendemos também que muitos instrumentos usados no samba receberam contribuições de diferentes regiões do mundo, além da África”, completam. 

Um dos alunos, Tom, chegou a dizer: “O samba tem a ver com os nossos antepassados, que têm a ver com árvore genealógica porque o samba é muito antigo, ele tem a ver com os nossos ancestrais. A árvore genealógica tem a ver com os ancestrais porque um deles pode ter criado o samba”.

Segundo Flavia, a percepção das raízes negras do samba permitiu que a turma fosse introduzida ao conceito de racismo estrutural. “Mesmo após a abolição da escravidão, esse grupo continuou sendo discriminado. O mesmo aconteceu com a sua música, que era ouvida pelos negros nas casas das baianas, no Rio de Janeiro”, explica. 

Nesse sentido, figuras ilustres como Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus foram apresentadas aos alunos como símbolo da evolução da música no país. A história da dupla de mulheres e negras comoveu as crianças, que, segundo as professoras, demonstraram surpresa com os feitos das sambistas. A emoção da turma acabou refletida em uma frase dita por um dos alunos, Vicente, sobre Dona Ivone Lara: “Queria que ela fosse minha avó”.

O produto final do estudo é um livro com quatro histórias – “As Maravilhas do samba”, “Informações do samba e outras coisas”, “A vida do samba” e “Como o samba foi criado e outras maravilhas africanas” – que narram a origem do samba como parte da origem do povo brasileiro.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.