As novidades do 3º ano do projeto de educação antirracista

Por Rodrigo Ratier

O documento é robusto – são 60 páginas – e, em muitos aspectos, impiedoso. É um olhar no espelho que faz jus à epígrafe da escritora americana Robin Diangelo: “Quanto menos uma comunidade falar sobre racismo, mais profundos serão os padrões da branquitude.”

O nome oficial é “Relações Raciais na Escola: um exercício de reflexão da comunidade do Vera”, mas pode chamar de plano de ação 2023 do projeto de educação antirracista. Elaborado a partir da autoavaliação institucional participativa, o plano parte dos desafios encontrados nas diversas dimensões do projeto. Apontando as dificuldades, mas também as ações e responsáveis, prevê desdobramento pela equipe de profissionais de cada unidade a partir das especificidades de seu segmento.

“O plano de ação faz parte de uma metodologia criada pela ONG Ação Educativa para uma avaliação institucional participativa das relações raciais na escola, o que temos realizado há 2 anos no Vera, sempre de forma coletiva”, afirma Regina Scarpa, diretora pedagógica do Vera. “Nos reunimos presencialmente para discutir em subgrupos sobre como estamos em relação aos indicadores, fazemos uma síntese para a comunidade de famílias, educadores, funcionários e alunos. A partir daí, passamos a discutir o que é preciso fazer para avançar.”

A seguir, você confere os principais diagnósticos e propostas:

  • Na dimensão currículo e proposta político-pedagógica, a comunidade apontou a necessidade de avançar no conhecimento de leis e documentos oficiais sobre educação e relações raciais. O ano de 2023 apresenta boas possibilidades para isso: a lei 10.639, a da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, completará 20 anos, ocasião propícia para um trabalho de pesquisa de alunos do EFn3 e EM. Corpos técnicos devem também abordar o receio de algumas famílias de que a Escola passe a ter um currículo afro-centrado – a divulgação dos projetos políticos-pedagógicos de cada segmento deve demonstrar que esse não é o caso.

  • O relato sobre situações pontuais de discriminação racial em sala de aula deu lugar a um importante debate. “Um projeto para as relações raciais não evita situações de discriminação racial; ao contrário, oferece inúmeras oportunidades para que se problematize e se reflita com as famílias sobre esses episódios já presentes nas relações entre as crianças pequenas (mas não só), evitando a perspectiva moralizante, aprofundando o letramento racial de todos os envolvidos e tendo disponibilidade e abertura para as relações inter-raciais”, diz o documento, que também aponta a possibilidade de ampliar a oferta de bolsas para crianças negras e indígenas.

  • Na dimensão recursos didático-pedagógicos, a conclusão foi de que, apesar dos avanços, ainda é preciso trabalhar por mais diversidade racial e de gênero nos materiais. O plano de 2023 prevê orçamento adequado para a aquisição e elaboração de recursos com maior diversidade. Outra necessidade, a de incluir Pensadores e conhecimentos de outros povos não europeus precisam ser incluídos no currículo em todas as áreas – não apenas em Ciências Humanas e Artes –, pede “uma perspectiva ética e investigativa em relação aos recursos e materiais utilizados, problematizando os também com os alunos, no sentido de não reproduzir escolhas curriculares que contribuam com o racismo estrutural e a perspectiva eurocêntrica, que desconsidera a diversidade humana”, conforme o documento.

  • Outra dimensão trabalhada foi acesso, permanência e sucesso na escola. A comunidade discutiu a necessidade de pensar o estudante por inteiro diante de avanços que precisam ser contemplados: acesso dos bolsistas ao Vera Integral, dificuldade em perceber pessoas negras e indígenas como construtoras de saberes para além das questões raciais, baixa participação de familiares e de alunos como os do Ensino Médio, no projeto de educação antirracista. As propostas de ação vão de ampliação dos encontros para a construção de uma comunidade mais participativa à busca por mais doações para subsidiar o integral dos bolsistas e para os alunos bolsistas, além de parcerias com outros coletivos do Vera.

  • O debate sobre a atuação dos profissionais da educação pôs em relevo a consciência da própria identidade étnico-racial e os problemas da branquitude. Diante de situações de discriminação racial – inevitáveis em uma sociedade em que o racismo se encontra enraizado –, o documento fala em “disposição das pessoas brancas para reflexão sobre possíveis situações de discriminação que venham a cometer, sem vitimização” e “aprender a problematizar de maneira não violenta as situações cotidianas de discriminação.”

  • O envolvimento com as famílias surgiu como ponto de destaque também na dimensão gestão democrática. O grupo entende que a diversidade no tipo e na disponibilidade de participação é esperado, mas que é possível pensar em ações para ampliar o engajamento. Entre elas: propor oficinas e encontros mais frequentes sobre a pauta antirracista e outros temas de interesse (cultura digital, questões de gênero e sexualidade, por exemplo), e pensar especialmente nos jovens, criando caminhos para que sua participação e de suas famílias seja maior no projeto.

  • Por fim, na dimensão para além da escola, a discussão girou em torno sobre as ainda poucas relações com a comunidade do entorno. Tão importante quanto a ampliação desses contatos é a forma de fazê-los. Diz o documento: “[É preciso] estabelecer diálogos com territórios de uma perspectiva não colonizadora, pensando em ações criativas com as comunidades e não para as comunidades, desconstruindo a ideia de territórios como guetos, a escola como centro, e enxergando a trama do tecido social de outra forma.”

“Há desafios em todas as dimensoes: atitudes e relacinamentos, como a escola pode se fortalecer para lidar com situações de discriminação racial, injúria ou racismo recreativo, em relação ao curriculo decolonial, sobre como aumentar o envolvimento e a participação das familias, quanto à necessidade de estabelecer parcerias com a presença negra no território, ampliando nossa relação com movimentos negros e indigenas em direção ao um currículo mais pluricultural, quanto material didático, em relação à gestão democrática, na ampliação do quadro de docentes e gestores negros, o que já vem acontecendo”, enumera Regina. “Mas é muito positivo que os desafios estejam mapeados, com ações co-responsibilizadas por todos.”

Os próximos passos incluem um encontro com as autoras da metodologia, no dia 23 de fevereiro, e um monitoramento constante das propostas. “Teremos uma nova rodada de autoavaliação institucional participativa daqui a dois anos para ver o quanto avançamos em relação às sugestões contidas no plano de ação. Todos são convidados a participar: familiares, docentes, funcionários e alunos”, finaliza Regina.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.