Conhece a Makota? E o Makota? Nossos funcionários explicam

Por Gabriela Del Carmen

À primeira vista, Valdina de Oliveira Pinto não é um nome conhecido do grande público. Mas deveria ser: educadora, ativista e uma das principais vozes contra o racismo e a intolerância religiosa no Brasil, deixou um respeitável legado. Ficou conhecida como ‘Makota’ pelo cargo que ocupava como conselheira de mãe de santo no Terreiro Tanuri Junsara, de Nação Angola, localizado no Engenho Velho da Federação, bairro de Salvador (BA) onde nasceu.

“A Makota Valdina é uma pessoa muito importante para pensar a educação étnico-racial e as culturas e religiões afro-brasileiras. Ela era militante e circulou o Brasil defendendo a luta antirracista, além de falar sobre o papel das mulheres, do candomblé e da importância de discutir intolerância religiosa a partir das questões raciais”, explica Renata dos Santos, orientadora do 9º ano.

Como uma homenagem a essa trajetória, o grupo de formação antirracista para funcionários do Vera, criado em 2021, ganhou recentemente o nome de Makota Valdina. O coletivo realiza encontros periódicos com mais de 120 profissionais para ampliar o letramento das relações raciais no ambiente escolar.

O trabalho é conduzido por um grupo de profissionais da própria escola. Ao lado de Renata, estão Alessandra Vaz, professora de biblioteca no Nível 3; Kelly Dornelio, supervisora administrativa no Ensino Fundamental (3º ao 9º ano); e Daniel Helene, coordenador do Ensino Fundamental (6º a 9º ano), além de outros gestores e supervisores das equipes do Vera Cruz.

“Os funcionários do administrativo também são educadores. É uma comunidade escolar, com profissionais que têm contato e diálogo com os alunos. Por isso, é importante que eles também passem por um processo formativo”, explica Alessandra. “Essa é uma oportunidade de conversar sobre as influências do continente africano na formação da população brasileira, trazendo questões relacionadas ao racismo e o quanto ele é estrutural.”

Encontros de formação antirracista para funcionários do administrativo.


Somando forças

O que começou apenas como um projeto para os funcionários do “Verão” expandiu-se para as demais unidades da escola. O número de integrantes do Makota aumentou significativamente no último ano — uma conquista que trouxe desafios. “Tínhamos profissionais que já participavam dos encontros há mais de um ano e outros que chegaram durante as discussões sobre religiosidade, que é um assunto muito delicado”, conta Renata.

Kelly reconhece que alguns encontros são mais tranquilos do que outros, o que faz parte do processo de formação. “É necessário ter discussões das quais as pessoas saem mais felizes. Mas certos encontros causaram incômodo, fizeram os funcionários revisitar lugares sociais e raciais que estavam adormecidos. Muitas vezes, é justamente nessas situações que mais construímos, pois há uma troca maior com o outro”, analisa.

Com o apoio de outros supervisores, o núcleo gestor também cresceu. “Era importante ter mais gestores e coordenadores participando da preparação dos encontros, entrando em contato com o que estávamos pensando e com a relevância de ter esse trabalho na escola”, conta Renata. Eles passaram a se reunir a cada sete ou quinze dias para elaborar os temas e atividades dos encontros.

Márcia Yumi Wakana, do setor de compras do Vera Cruz, ficou encantada com a  contação de histórias e mediação de leituras das obras “Quinzinho”, de Luciano Ramos, e “Não derrame o leite!”, de Christopher Corr e Stephen Davies. “Os livros, apesar de serem da literatura infantil, nos movem a pensar. ‘Quinzinho’, por exemplo, narra o racismo sofrido por um menino negro e a forma como ele é acolhido pelo amor do pai”, diz.

Ela vê o Grupo Makota como um projeto de extrema importância. “Quando a escola oferece uma abertura dessa, é importante abraçá-la”, relata. Cativada pelas culturas afro-brasileiras, especialmente a literatura, Márcia vê nos encontros de formação a oportunidade de acessar novas percepções e experiências. “A própria Makota Valdina era alguém que eu não conhecia, mas me apresentaram a sua história durante os encontros”, conta.

Atividade de contação de histórias e mediação de leitura com o Grupo Makota.

O grupo também produziu um caderno em que cada funcionário pôde contar um pouco de sua história. A atividade foi inspirada no livro “Quando me descobri negra”, de Bianca Santana. “A ideia é que os funcionários se reconheçam em um espaço que acolhe tanto alunos quanto as famílias e os profissionais. Transformar a comunidade em um grupo efetivamente antirracista significa ajudar as pessoas a se reconhecerem como sujeitos”, afirma o coordenador Daniel Helene.

Além das culturas e religiões africanas, os encontros do Makota Valdina abordaram temáticas basilares, debatendo o que é o racismo, como ele se estrutura no Brasil e qual a importância do projeto antirracista do Vera Cruz. Questões históricas sobre a escravidão e a formação da sociedade brasileria, à luz da influência dos povos indígenas e africanos, também surgiram nos encontros.


Planos para 2023

A formação dos funcionários do Vera segue firme e forte em 2023. O núcleo de organização manterá suas reuniões quinzenais, e o encontro com os funcionários do administrativo deve acontecer a cada mês ou bimestre, dividido em três turmas. Para a orientadora, um tema a ser discutido é a branquitude: “Não falamos sobre isso ano passado, mas seria importante abordar em 2023.”

Alessandra ressalta que há uma série de temas trabalhados nos anos anteriores que ainda podem ser aprofundados. “Abordar as questões do racismo e refletir criticamente sobre as relações raciais e práticas sociais, entendendo o antirracismo como um pacto civilizatório, algo que de fato fará diferença na sociedade e assumir isso como compromisso, um valor democrático para realmente construirmos uma sociedade mais equânime”, afirma.

Como desafios, ela cita a contribuição e o engajamento de cada vez mais pessoas da comunidade. “Temos um grupo planejador que pensa quais temas podem ser tratados e como os encontros vão acontecer. É essencial ter a participação de professores e funcionários docentes que contribuam com a formação dos profissionais administrativos a partir do que desenvolvem em sala de aula”, explica Alessandra.

Em 2021, o Grupo Makota fez uma visita virtual ao Museu Afro Brasil, apreciando um acervo com obras das culturas africanas, indígenas e afro-brasileiras, que refletem a trajetória histórica e artística desses povos, além das influências que deixaram na construção da sociedade brasileira. O contato próximo com as produções culturais continua em 2023: a expectativa é que, nas saídas dos alunos para museus ou para o Sesc, um funcionário do administrativo os acompanhe para viver essa experiência.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.