Ao olhar para o outro, a turma enxergou o próprio preconceito

Por Gabriela Del Carmen

“Como aqui no Vera temos um ensino antirracista, achei que os alunos — inclusive eu — não tinham estereótipos tão enraizados. Mas percebi o quanto o preconceito está arraigado”, recorda Dália Fuentes Muniz, aluna do 7º ano da Escola Vera Cruz. Essas reflexões surgiram durante a atividade ‘Narrativas Sobre o Outro’, proposta pelos professores Vinicius Tubino e Clara Rimkus Devus.

No contexto dos estudos do 3º trimestre, que abordam questões sobre o continente africano, o projeto busca repensar um rótulo que, muitas vezes, projetamos nos outros. Inspirada numa intervenção pedagógica feita com os estudantes do G5, no Verinha, a atividade propõe um diagnóstico do que os alunos conheciam sobre a África, trabalhando suas percepções sobre diferentes povos e etnias.

“Perguntei o que eles sabiam e o que supunham sobre a região”, conta Vinicius. As respostas, em sua maioria, carregavam generalizações sobre o continente. “Um lugar pobre, seco, com um grande rio e muitos animais de safári, como girafas, elefantes e zebras. Tudo bem básico.” Outros pontos como “doenças típicas”, “problemas de fome e riqueza” e “diferentes culturas” também apareceram nas discussões.

Ilustração da lousa durante as discussões sobre o que sabiam e supunham sobre o continente africano.

A atividade abriu espaço para conversas acerca da importância histórica do continente para a formação de diferentes povos e, também, sobre a riqueza cultural que caracteriza a região. Depois de avaliar o repertório inicial de cada classe, os professores propuseram uma nova atividade, na qual os alunos escreveram um perfil de como acreditavam ser a vida de um personagem com determinado recorte racial.


Desconstruindo o preconceito

Ao todo eram dez fotos de adolescentes — cinco meninos e cinco meninas — brancos, indígenas, asiáticos, pretos de pele retinta e pretos de pele clara. A sala foi dividida em grupos e cada um teve a missão de escrever a história de um personagem, a partir da interpretação de sua foto. Nesse perfil, eles deveriam explicar o que esses jovens faziam, como era sua família, o que acontecia em sua vida e quais eram os seus medos, sonhos e desafios. Na aula seguinte, os alunos se juntaram para analisar as narrativas e apresentar suas descobertas para o restante da classe.

Uma das ilustrações apresentadas em classe mostrava um adolescente de pele preta, sem camisa, com o mar ao fundo.

“Por que nas histórias as pessoas indígenas são pobres, não têm sobrenome e têm uma vida muito difícil? Por que o branco é um menino mimado, rico, que joga videogame e não se preocupa com dinheiro? Por que o menino negro que está na praia é pobre e mora na favela, e não um turista ou alguém que tem uma casa a beira mar?”, questionou Vinicius. Para ele, foi importante que os professores participassem das discussões, despertando a consciência de como as narrativas traziam consigo visões estereotipadas de cada grupo social.

Com algumas exceções, como grupos que descreveram o menino negro como filho do Rei Pelé, a maioria dos perfis de pessoas não brancas apresentaram histórias sofridas com ausência dos pais e dificuldades financeiras. “Enquanto os alunos faziam as apresentações, nós questionávamos o que isso dizia acerca do nosso olhar sobre o outro”, explica o educador.

“Não pensei que teríamos esses resultados”, conta Dália. “Percebi que não é só em situações extremas que há preconceito; ele está muito mais fundo em nossa mente porque vem de muito tempo atrás, de gerações, hábitos e culturas. Foi bom perceber isso, porque conseguimos rever nossos conceitos”, analisa.

Segundo a estudante, a maioria dos alunos também se surpreendeu com os resultados. “Nas discussões coletivas muita gente ficou na defensiva, argumentando que não tinha pensamentos racistas e tentando se explicar. Mas no final todo mundo gostou, percebeu que a proposta era justamente que entendêssemos nosso pensamento. Além disso, muitas pessoas gostaram por ser uma atividade criativa, criar uma história, diferente do que fazemos normalmente.”

Para Antônia León, também do 7º ano, o interessante foi que a atividade se conectava com outros trabalhos sobre democracia e racismo. A classe mergulhou ainda mais fundo no conceito de estereótipo após assistir à palestra “O perigo de uma história única”, da premiada escritora nigeriana Chimamanda Adichie. E também aprofundou conhecimentos com aulas sobre a República Democrática do Congo, a economia do cacau, a democracia no Sudão do Sul.

“Foi uma experiência bem legal, que se ligou com o que vimos sobre a África. Estudamos várias sociedades africanas antigas e como o continente é uma potência econômica. A região é muito mais do que a pobreza que tínhamos em mente”.

O projeto também permitiu que os estudantes se conhecessem melhor. “Me chamou atenção que nas histórias os personagens sempre atingiam o sucesso, mesmo aqueles que tinham muitas dificuldades. Isso mostra que a gente quer o sucesso, é algo que a gente precisa”, diz Antônia. O professor Vinicius concorda: “Foi uma atividade de olhar muito para si mesmo, refletindo sobre quem eu sou e o que olho no outro”.

Vinicius descreve a atividade como muito potente. “A sala ficou impactada e se incomodou ao perceber os preconceitos. Os alunos viram que carregavam muito mais estereótipos do que imaginavam”, finaliza.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.