Beatriz Calais
“Onde estão os autores negros? Por que os livros não chegam para nós?”, questionou Carla Ronco, coordenadora de Língua Portuguesa do 3o, do 4o e do 5o ano do Vera. Essas dúvidas surgiram durante a preparação para a festa literária FliVera, que teve como tema as vozes que não foram ouvidas na Semana de 22. “Naquele momento, nosso objetivo era falar sobre autoras negras, mas percebemos que não era tão simples encontrar esse acervo”, recorda a coordenadora.
Com a ajuda de Simone Zorzan, professora responsável pela biblioteca, Carla decidiu se aprofundar na pesquisa por autoras negras e fazer dessa inquietação um projeto maior do que a preparação para a FliVera. Era hora de promover uma renovação no acervo. “Quando começamos a pesquisar, uma coisa nos incomodou: era muito fácil cair em histórias que mostravam apenas o sofrimento. Onde estava o negro como aquele que tem um lugar na sociedade e produz cultura? Foi aí que decidimos buscar a consultoria da Clélia Rosa”, conta Carla.
Especializada em questões étnico-raciais, a pedagoga Clélia deu um direcionamento certeiro: era preciso abrir o leque. Tudo estava muito centrado apenas nas mulheres negras e brasileiras, em razão da FliVera. “Precisávamos buscar autores homens e de outras nacionalidades também. Por que não um autor cubano ou norte-americano? Desde que houvesse representatividade, estava tudo bem”, explica a coordenadora. “Foi a partir daí que começamos a olhar para a diversidade no mundo.”
Simone, que trabalhou de forma ainda mais imersiva na busca por esses autores, diz que a experiência foi transformadora. “As redes sociais me ajudaram muito nesse processo. Consegui conhecer editoras menores que possuem uma grande qualidade e um acervo incrível. Foram boas surpresas no processo”, revela. “São livros e autores tão legais, mas nós simplesmente não os conhecíamos. Precisamos assumir isso. Esse é um ponto inicial para a mudança.”
Hoje, mais do que um acervo diverso, a nova biblioteca tem o poder de inspirar outras instituições e pressionar o mercado editorial para o lançamento de mais autores negros. “Quando a Clélia disse que nossa busca poderia impactar o mercado editorial, eu não acreditei. Me questionei se realmente tínhamos esse poder. Na semana passada, no entanto, uma editora chegou aqui sem autores negros no catálogo. Nós contamos sobre o anseio por mais diversidade e eles falaram que vão começar a prestar atenção nisso também”, conta Simone.
Para ela, a lógica do consumo acaba contribuindo para frear o movimento em prol da diversidade: se os consumidores querem, as editoras precisam se movimentar para oferecer. “Descobri que realmente temos um pouco de poder no mercado editorial”, brinca ela. E a pesquisa ainda não acabou. Agora, é hora de envolver os alunos do 4o ano nas descobertas feitas por Carla e Simone.
“No segundo semestre, os alunos do 4o ano vão ler esses autores e fazer uma atividade escrita de indicação literária. Eles vão conhecer essas obras e divulgá-las para outros grupos”, explica Simone. Para Carla, era exatamente isso que faltava para o currículo da classe. “No 3o ano já temos um projeto de literatura de culturas indígenas. No 5o ano trabalhamos a história de construção do Brasil, então já havia um foco antirracista. Era o 4o ano que precisava de uma atividade mais focada, então estamos felizes de propiciar isso para eles”, completa a coordenadora.
As professoras se orgulham da renovação feita na biblioteca. “O projeto começou com foco no 4o ano, mas o acervo está disponível para todos. É um grande feito”, finaliza Carla.