Educação antirracista nos anos iniciais da escola

Silvane Silva

Se o pensamento racionalista é insuficiente para compreendermos a experiência humana de existir, quando se trata de observar a experiência de bebês e crianças pequenas, percebe-se que essa afirmativa é ainda mais acentuada. Dessa maneira, torna-se mais necessário a centralidade dos afetos na construção das identidades e da autoestima nessas faixas etárias.

É comum ouvir de algumas pessoas que não seria possível colocar em prática uma educação antirracista nessa fase, principalmente porque os bebês e as crianças não seriam capazes de entender ideias tão complexas que atravessam a experiência do que é ser uma pessoa negra, indígena ou branca em uma sociedade estruturalmente racista.

No entanto, sugerimos o contrário disso. Justamente por experimentarem o mundo a partir do lúdico e, no caso dos bebês, da linguagem não verbal, é que a intencionalidade pedagógica deve estar enfatizada. A construção da autoestima, tão imprescindível para uma relação positiva com o pertencimento racial, está diretamente ligada ao afeto: ser olhada, cuidada, escutada, estimulada, reconhecida, incentivada, amada. Essas atitudes que a priori parecem “simples” são, muitas vezes, negligenciadas, tratadas como secundárias, quando, na verdade, são centrais.

Lembremos sempre que o racismo desumaniza. Nesse sentido, se as relações de cuidado mútuo são indispensáveis em qualquer situação de aprendizagem, quando se trata de fortalecer identidades que são alvo constante de injúrias, humilhações, agressões e inferiorizações, a ausência das dimensões amor, alegria, cumplicidade e autoestima inviabilizam o processo educativo (hooks, 2021).

Destaque-se que, se pensamos a dimensão do amor na prática educativa, o fazemos na perspectiva trazida pela pensadora estadunidense bell hooks (2020, p. 55) e não como sentimento racionalizado apenas:

“Começar por sempre pensar no amor como uma ação, em vez de um sentimento, é uma forma de fazer com que qualquer um que use a palavra dessa maneira automaticamente assuma responsabilidade e comprometimento.”

Responsabilidade e comprometimento é o que nós educadores devemos ter diante da urgência que é adotar uma educação antirracista. “O amor é o que amor faz”.

Um processo educacional, mesmo que para crianças pequenas, precisa considerar a raça como elemento constitutivo do cotidiano. Desde muito cedo as crianças aprendem a reconhecer os elogios direcionados para a “brancura” e a desassociação da beleza e da positividade no que se relaciona com a cor escura, demonstrada no vocabulário e nas ações cotidianas das pessoas adultas.

A branquitude normativa está presente nas atitudes e falas, mas também nos ambientes, por meio da materialidade do espaço. A pedagoga Cintia Cardoso observou em sua pesquisa (2018, p. 113) que:

“A sucessão de imagens tem o branco hegemonicamente representado, o que permite às crianças brancas se verem e se reconhecer todo o tempo em diferentes situações, e assim a branquitude vai sendo marcada.”

A materialidade inclui tudo que compõe as práticas escolares. Dessa maneira, devemos estar atentas(os) ao olhar, ao toque, às palavras, à disposição do ambiente e aos modos de ocupá-lo, ao acolhimento, aos modos de ser e fazer. Considerando que estes são tão importantes quanto a escolha dos conteúdos curriculares.

Uma percepção fina e atenta na construção de uma educação antirracista pressupõe uma visão informada, letrada racialmente, capaz de desnaturalizar o que está posto como neutro. Os discursos estão presentes em tudo que se propõe no cotidiano escolar e, dessa maneira, as nossas escolhas como educadoras(es) possuem o potencial de reforçar, questionar e propor perspectivas. A educação antirracista só será efetiva se perpassar todas as dimensões da escola.

Por tudo isso, convidamos familiares e educadora(es) a estarmos atenta(os) aos ensinamentos que estamos oferecendo às nossas crianças por meio de nossas práticas, no que se refere às relações raciais.

Referências

CARDOSO, Cintia. Branquitude na educação infantil. Curitiba: Appris, 2021

hooks, bell. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança. Trad. Kenia Cardoso. São Paulo: Elefante, 2021.

________. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Trad. Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2020.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.