Por Maria Laura Saraiva
Em sua obra mais conhecida, a jornalista Bianca Santana fala por muitos jovens brasileiros: “Tenho 30 anos, mas sou negra há apenas dez. Antes, era morena”. Lançado em 2016, “Quando me descobri negra” narra as memórias da autora sobre o processo de descoberta da própria ancestralidade e da construção da sua identidade racial.
“Eu era morena para as professoras do colégio católico, para os coleguinhas – que talvez não tomassem tanto sol – e para toda a família, que nunca gostou do assunto. Mas a vó não é descendente de escravos?”, eu insistia em perguntar. “E de índio e português também”, era o máximo que respondiam. Eu até achava bonito ser tão brasileira. Talvez por isso aceitasse o fim da conversa”, continua a escritora no início do livro.
Ao longo da narrativa, Bianca traz à tona situações de preconceito e racismo que a marcaram desde a infância até a vida adulta, como a falta de liberdade com o cabelo, por exemplo, que deveria permanecer sempre preso. Ou ainda quando foi confundida com uma prostituta em um hotel.
A obra é dividida em três partes: a primeira com situações verídicas vividas pela autora; a segunda com fatos que ela ouviu ou presenciou; e a terceira com ficções. No ano de seu lançamento, o livro também recebeu o Prêmio Jabuti na categoria de melhor ilustração.
Desde 2020, “Quando me descobri negra” é uma das obras que integram o currículo do Vera Cruz entre as turmas de oitavo ano. A escolha levou em consideração a reflexão social proposta pelo texto e a construção da linguagem literária, apontada como impactante e capaz de mobilizar a atenção dos alunos. O fato de se tratar de uma autora jovem e ativista também colaborou para que o livro se destacasse na escola.
“É uma obra concisa, forte e escrita para adolescentes, embora também indicada para os familiares que desejam estabelecer um diálogo sobre o tema em casa”, diz Alessandra Vaz, professora da biblioteca. Conforme explica Aline Borrely Ataíde, professora de língua portuguesa do Vera Cruz, esses momentos eram mediados para que os alunos pudessem refletir sobre os relatos e as histórias expostos pela autora. Paralelamente, conceitos como o branqueamento e o racismo velado eram introduzidos para que o texto ganhasse novos desdobramentos sob o olhar dos alunos.
“A obra teve muita força entre os jovens, mesmo entre aqueles que não tinham tanta afinidade com o hábito da leitura. O relato pessoal feito pela Bianca, que também postava alguns desses textos no seu blog, foi algo que despertou a atenção das turmas. Ao mesmo tempo, também existia uma reação de surpresa sobre o conteúdo daquelas crônicas e a intensidade do racismo retratado”, lembra Aline. Atualmente, a obra integra a lista de leitura autônoma proposta pela escola.
O impacto na sala de aula
Assim como o livro de Bianca, outras obras que trazem o olhar de diferentes culturas e etnias sobre o mundo vêm reverberando entre os alunos. De acordo com Alessandra, é notável o avanço das turmas em relação à bagagem de conhecimentos e referências sobre a cultura negra. “A leitura ajuda a expandir o pensamento dos estudantes, já que o contato literário com a diversidade também agrega nos saberes linguísticos e sociais”, reforça.
Ao utilizar a literatura para retratar a realidade vivenciada por negros – em especial, mulheres negras –, a autora estimula o diálogo sobre as faces e formas do racismo que persistem nos dias atuais. “A linguagem dinâmica da autora torna mais acessível conteúdos que são muito delicados. E os traz na voz de uma mulher negra ativista”, ressalta Aline.
Entre os estudantes brancos, Alessandra avalia que a narrativa contribui para que eles se apropriem de como o racismo se manifesta em diferentes situações – até então, muitos só tinham conhecimento da TV. Nesse contexto, o relato pessoal da autora ajuda a aproximar esse grupo das experiências e sentimentos que fogem do seu cotidiano, fortalecendo o entendimento sobre a causa antirracista.
Já entre os alunos negros, a obra ganha ainda mais potência. Para a professora, uma das maiores lições do livro é o incentivo para que meninos e meninas negras não silenciem a própria voz diante de situações de violência. “Essa valorização da ancestralidade é ainda mais importante para quem ocupa locais majoritariamente brancos”, afirma.
Por outro lado, Aline destaca que a jornada de reconhecimento da própria raça, principalmente em negros de pele clara, é um processo que depende de muitos fatores – sendo a escola um deles.