Na Terra Indígena, o encanto com a diversidade

Por Maria Laura Saraiva

Desde pequenas, as crianças estão em conexão com o mundo ao seu redor. O contato com diferentes culturas dá a elas uma oportunidade valiosa de se reconhecerem em suas identidades e se aproximarem da diversidade étnica e racial do país a partir de experiências que as transformam. Foi o caso do encontro com a artista Tamikuã Txihi: após terem contato com sua obra, a turma do G3 fez uma visita à Terra Indígena Jaraguá.

Em dinâmicas que incluíam, muitas vezes, a participação de familiares, ao longo do período letivo, o G3 vivenciou os saberes indígenas por meio de livros, narrativas orais, músicas e relatos de experiências com essa temática, muitas das quais contagiaram os alunos, despertando neles a curiosidade e o afeto pelos saberes desses povos, em especial, a luta em prol da preservação das florestas e dos animais, como ressalta a educadora Karina Crespo. 

Em setembro, o trabalho ganhou força com a visita ao noroeste da capital paulista, onde fica a Terra Indígena do Jaraguá. A ideia partiu de um relato feito pela professora Daniela Morita sobre a artista indígena Tamikuã Txihi – figura que, em seus costumes, desperta o fascínio pela floresta e, em especial, pelas onças. 

Tamikuã Txihi é uma mulher indígena Pataxó, nascida em Pau Brasil, na Bahia. Reconhecida principalmente pela sua expressão artística em pinturas, intervenções urbanas e vídeos, Tamikuã também se define como guardiã da Mãe Terra e irmã Natureza. 

“Conheci Tamikuã em uma ação de reflorestamento na Terra Indígena do Jaraguá, cujo território vive grandes impactos com o crescimento da cidade de São Paulo e com a falta da garantia do direito originário à terra, conforme estabelece a Constituição de 1988”, conta ela. Segundo a educadora, os indígenas que lá residem, em sua maioria Guarani Mbya, com alguns integrantes Pataxó e Aymara, estão reflorestando as áreas desmatadas, regenerando as nascentes e restaurando a mata ciliar.


Do encantamento, surge um livro

A história de vida de Tamikuã, expressa também em sua arte, encantou as crianças. Para o encontro, a turma decidiu presentear a artista com um livro feito por eles, que buscou entrelaçar suas próprias experiências com interpretações sobre a cultura indígena a partir da obra de Tamikuã. 

“A produção se estendeu por muitos dias, a várias mãos. Pensaram nas ilustrações, nas expressões dos personagens e na organização da narrativa”, explica Daniela. A preparação também incluiu o cuidado com as mudas de espécies que poderiam ser plantadas na floresta com a ajuda da indígena, além do contato com as obras feitas por ela, como ‘Recuperação é a esperança dos territórios”. 

A Terra Indígena Jaraguá é composta por sete aldeias, que estão se organizando para receber escolas, grupos e famílias e criar oportunidades de encontro. O objetivo é favorecer aprendizagens no próprio território indígena e desconstruir estereótipos e preconceitos historicamente tão disseminados. 

Para as crianças, a oportunidade de conhecer a aldeia, além de contribuir com a iniciativa indígena, consolida uma concepção de escola de participação social, ressalta a educadora. “Essa proposta vem ao encontro do Plano de Ação do projeto antirracista do Vera, que, entre as ações, propõe tecer parcerias com movimentos sociais, ampliando o sentido de comunidade”, diz. 


A potência do desconhecido

No percurso escola-aldeia, a proximidade inesperada entre a floresta e a cidade já surpreendeu a turma, que pôde observar de perto a coexistência de ambas culturas. Em seguida, veio o aguardado momento do primeiro contato com Tamikuã, que a essa altura já alcançava o patamar de uma heroína da natureza entre as crianças. O encontro despertou diferentes reações entre os alunos:

  • “Quando vi a Tamikuã, primeiro eu senti medo. Depois ela brincou com a gente, teve comida e eu vi que não precisava ter medo”, Caetano Lopes
  • “Quando a Tamikuã saiu da casa eu fiquei com medo porque ela estava todinha pintada e ela andava sem sapatos”, Marco
  • “Quando chegamos, encontramos a Tamikuã. Ela é bonita e estava toda pintada”, Luiz
  • “Eu achei ela bonita. Ela tinha cor de onça!”, Chiara

Ao entrarem na casa da artista, a turma foi recebida com um canto guarani, considerado sagrado por expressar saberes e memórias daquele povo. A visão do local encantou as crianças, que logo foram explorar cada canto da construção e as diferentes expressões de arte indígenas, especialmente as esculturas de onça. 

Na ocasião, o grupo também fez muitas perguntas tendo como referências suas experiências de vida e seu imaginário sobre Tamikuã – onde ela dormia, se não havia camas; se ela morava com a sua família; se havia uma onça de verdade morando com ela; e onde estavam as suas roupas. “Nosso desejo foi viver com elas uma experiência de encontro, habitar um lugar onde possam coexistir diversas visões de mundo, e transformar os incômodos e estranhamentos em forças de construção e ação”, explica Daniela. 

Na visão da educadora Karina, a convivência na aldeia, mesmo que por tão pouco tempo, trouxe grandes aprendizados e surpresas para a turma. “Acredito que as crianças, mesmo tão pequenas, compreenderam que existem outras formas de viver, diferentes das delas. Que podemos aprender muito com os saberes indígenas”, explica. 

Um dos momentos marcantes foi a pintura corporal. “Quando a Tamikuã me pintou, a força dela passou para mim”, relatou Clara, uma das alunas que participou da visita e teve o rosto pintado de onça. 

Para concluir o encontro, a turma contou com ajuda da artista e de outras mulheres da aldeia para plantar as mudas de árvores que tinham levado. O gesto, nas palavras da própria Tamikuã, é um símbolo de esperança para as próximas gerações. “As crianças trazem esperança para nós, são nosso futuro. Quando falarem dos povos indígenas, haverá nelas essa lembrança de que estivemos juntos; poderão crescer sem tantos preconceitos que colocam contra a gente, sabendo quem somos e pelo que lutamos”, afirma. 

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.