O rock e seu papel revolucionário

Por Murilo Viana Vale e Bianca Ruggeri

O projeto de música do Vera Integral aprofunda o conhecimento em diversos gêneros musicais e favorece a experiência com alguns instrumentos, como violão, teclado e percussão. No ano de 2023, o rock foi o gênero musical escolhido para o trabalho com o grupo de crianças de 6 a 8 anos. No percurso, foi possível construir um caminho de muitas reflexões e aprendizagens para além da música em si. 

No início, as crianças mergulharam em um universo de sons desconhecidos e histórias. O rock, um gênero musical universalmente amado, guardava muito mais do que acordes e batidas. Introduzimos uma rica tapeçaria musical, desde suas origens até os dias de hoje. De Chuck Berry a Sister Rosetta Tharpe, cada artista revelou um capítulo vital na história. 

O primeiro encontro com as crianças oportunizou a expressão de sensações e curiosidades:

– Ei, isso é rock!  

– Esse som deixa o meu pé dançando!

– Eu conheço essa música! 

Apreciar o solo de guitarra feito pelo professor Murilo e explorar os instrumentos como a guitarra e o baixo foram situações de muita contemplação e euforia. Ao nomear Chuck Berry como um dos músicos protagonistas desse gênero, a professora Bianca mostrou uma fotografia e se deparou com falas do tipo: 

– Nossa, ele é feio!  

– O Chuck é negro?

– Sim

– Igual o Vinicius Júnior!  Fizeram racismo com um jogador de futebol e eu acho que estão fazendo com o mestre do rock. Porque as pessoas que estavam aqui, que chamaram ele de feio, fizeram isso.

O impacto inaugural da imagem do artista fez surgir o aprofundamento sobre o assunto. Em vez do discurso imediato que muitas vezes impede o acolhimento dos pensamentos genuínos das crianças, Murilo e Bianca consideraram importante estudar a relação entre o rock e as questões raciais, e assim destacar a potencialidade da dimensão estética da música na transformação do olhar das crianças.  

O rock é mais do que apenas um gênero musical, é uma manifestação cultural que transcende fronteiras e épocas. A sua história é rica e complexa, repleta de conexões que vão além das melodias e batidas. Uma parte essencial reside nas relações raciais e nos artistas que desafiaram as normas sociais e raciais de suas épocas. 

A conversa favoreceu a articulação com alguns conhecimentos que vêm sendo construídos por essas crianças no Vera. Nelson Mandela foi lembrado de imediato como uma pessoa fundamental na luta contra o racismo. Essa ligação pôde ser aprofundada pelo professor Murilo ao relacionar o contexto da África do Sul com o dos EUA, onde a segregação de brancos e negros também existia. Ao se deparar com a informação de que os banheiros e outros espaços públicos tinham que seguir essa separação, uma criança comentou:

– Então, Murilo, se isso acontecesse aqui hoje, a gente não poderia ter aula com você?

Relações entre passado e presente geraram problematizações. E quanto desse passado ainda hoje é velado, mas que pode ganhar cada vez mais visibilidade com a formação das crianças? O “som que deixa o pé dançando”, como disse uma criança desse grupo, foi o que também ajudou o rock a quebrar barreiras. A animação das guitarras distorcidas e dos ritmos empolgantes convocava todos os corpos a se movimentar. Brancos e negros dançavam ao som de suas intensas vibrações. Assim, o rock foi se popularizando. 

O caderno de música ganhou novas notações a fim de marcar os artistas que desafiaram as normas sociais e raciais de suas épocas. Entre esses pioneiros, destaca-se a figura icônica de Sister Rosetta Tharpe, cuja influência e contribuição são fundamentais para entender a evolução do rock e suas relações raciais. Quando as crianças a conheceram, aquele estranhamento ocorrido com a imagem de Chuck Berry não se repetiu. 

O conhecimento da história e a apreciação desse gênero musical, somado à ênfase dada às crianças sobre a habilidade dessa mulher negra, a primeira a tocar guitarra elétrica, deslocou a percepção de que havia diferenças entre Sister Rosetta Tharpe e Chuck Berry no tipo de rock produzido. 

A apreciação de cada música e a análise de uma linha do tempo construída no caderno de cada criança oportunizaram a observação de que, em cada época, o som ganhava uma nova identidade. Ora a música era mais rápida, ora mais lenta, mesmo em se tratando de um mesmo gênero musical, Murilo aprofundou com o grupo o andamento da música: quanto mais pulso, menos tempo. A música é mais rápida.  

– Ela começou a cantar rock em muitos lugares, até no trem!

– Ela é a rainha do rock!

– Nos Estados Unidos, porque o rock nasceu lá. 

Nessa aprendizagem de diferentes redes de pulsos, o rock ganhou novas perspectivas. 

Pessoas com instrumentos musicais

Descrição gerada automaticamente
Menino com violão

Descrição gerada automaticamente
Comparação dos instrumentos 
Exploração da guitarra 

A reflexão do professor de Música sobre esse encontro com as crianças

“O rock é mais do que apenas um gênero musical: é uma manifestação cultural que transcende fronteiras e épocas. Uma parte essencial dessa história reside nas relações raciais e nos artistas que desafiaram as normas de suas épocas. Entre esses pioneiros, destaca-se a figura icônica de Sister Rosetta Tharpe, cuja influência e contribuição são fundamentais para entender a evolução do rock e suas relações raciais.

Conhecer e apreciar a história do rock é mais do que um exercício de nostalgia, é uma jornada que nos permite compreender a sociedade, as lutas e as mudanças que ocorreram ao longo das décadas. O rock nasceu em uma época de segregação racial e desigualdade, e muitos artistas negros enfrentaram barreiras para alcançar o reconhecimento que mereciam. Sister Rosetta Tharpe ajudou a pavimentar o caminho para músicos de todas as origens.

Ela não apenas trouxe sua habilidade excepcional para a música, mas também desafiou as noções preconceituosas sobre o que era possível para uma mulher negra. Sua música misturava gospel, blues e elementos do que viria a ser o rock’n’roll, influenciando artistas posteriores e contribuindo para a formação do gênero. Por meio de suas apresentações eletrizantes e de sua energia contagiante, ela rompeu as barreiras raciais, se apresentando para públicos diversos em um momento em que a segregação era a norma.

A história do rock é entrelaçada com as lutas e as vitórias da comunidade negra. Artistas como Chuck Berry, Little Richard, Jimi Hendrix e muitos outros não apenas moldaram o som do rock, mas também enfrentaram desafios e obstáculos por causa de sua identidade racial. Reconhecer essas histórias é fundamental para compreender como a música pode ser um veículo de expressão, resistência e mudança social.

Apreciar a história do rock e suas relações raciais é também uma oportunidade de celebrar a diversidade que enriquece o gênero. A música sempre foi uma linguagem universal capaz de unir pessoas de diferentes origens, e o rock é um exemplo claro disso. Ao aprender sobre artistas como Sister Rosetta Tharpe e seus contemporâneos, somos lembrados de que a música é uma força poderosa que pode transcender divisões.

Essa turma aprendeu não apenas a apreciar as músicas, mas também a entender o contexto social em que elas foram criadas. Exploraram as influências culturais e raciais que deram forma ao rock, enfrentando questões delicadas, como a segregação e o preconceito racial. Descobriram como artistas negros como Little Richard e Jimi Hendrix desafiaram barreiras e estabeleceram as bases para a diversidade que o rock abraça atualmente.

À medida que as semanas avançavam, as crianças não só estudavam, mas também mergulhavam ativamente na experiência. Desde registros no caderno de música até a prática com instrumentos musicais, elas compartilhavam suas descobertas e paixões, enriquecendo a experiência de aprendizado. Além de apreciar o repertório, tinham um novo entendimento da importância de ouvir as vozes silenciadas e de reconhecer a contribuição de todos, independentemente de sua origem. Ao fechar esse capítulo, cada criança carrega consigo a melodia contínua do desejo por igualdade, da diversidade e da importância de se conectar com o passado para construir outras referências civilizatórias.” 

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.