A riqueza cultural dos povos expressa pela Matemática

Por Beatriz Calais

O que existia antes da criação dos rápidos computadores e calculadoras científicas? Como se contava quantas ovelhas estavam no rebanho ou se dividia a comida de um dia de caça? Para quem vive em uma sociedade globalizada em pleno século 21, parece que os números como conhecemos sempre existiram. Mas a Matemática também é uma produção humana e cultural – e que já foi aplicada de diferentes formas na história.

Inspirada por essa reflexão, a professora Patricia Vincenzi decidiu fazer uma atividade didática sobre sistemas de numeração com as turmas do 6º ano do Vera. Divididos em grupos, os alunos apresentaram resultados de pesquisas sobre os sistemas de numeração desenvolvidos por diferentes civilizações.

Egípcio, romano, maia, babilônico… As reflexões trazidas pelos alunos contemplavam aspectos fundamentais sobre o funcionamento dos sistemas numéricos: valor posicional (ou não), presença do zero (ou não), os diferentes símbolos utilizados para a representação e sua relação com o cotidiano de cada povo. Uma constatação incômoda também apareceu. 

“Pedimos para os alunos pesquisarem sobre os sistemas de numeração e apenas um deles encontrou o conhecimento do povo Guarani. Estamos falando de 1 estudante entre 60”, recorda Patrícia, que logo percebeu a oportunidade de criar um novo debate em sala de aula. 

“Questionei por que eles achavam que só havia uma pessoa na sala falando sobre os Guarani, e eles responderam que os outros sistemas eram mais ‘famosos’. Realmente, basta uma pesquisa no Google para perceber que são poucas as informações sobre a invenção guarani.”

Trata-se de um engenho complexo. Os guarani tinham o número cinco como principal base de contagem por dois motivos especiais: o número de dedos de uma mão, que geralmente é cinco, e o caule da mandioca, que era cortado em pequenas partes — cada uma delas formava um grupo de cinco caroços. Assim, o caule da mandioca servia como ferramenta de cálculo que ajudava na contagem manual.  

A constatação do apagamento do sistema guarani rendeu debate. Numa apresentação sobre o sistema egípcio, um aluno argumentou que as escolas do Egito não podiam deixar de falar sobre o assunto, porque isso fazia parte da história deles. “Por analogia, segundo o aluno, o Brasil também deveria reconhecer seus povos originários”, diz Patrícia. “Mas nossos materiais didáticos dão pouca ênfase a esse estudo. Essa foi uma realidade que só percebemos durante a atividade.”


Da aula à formação

De prática pedagógica, a atividade proposta por Patrícia se transformou numa reflexão para a formação dos professores. Por mais que os livros didáticos e as avaliações acadêmicas continuem enfatizando apenas o sistema matemático ocidental, é importante revisitar a cultura e a perspectiva de outros povos. Nesse sentido, a Etnomatemática, surgida na década de 1970, busca levar em conta esses saberes historicamente apagados pela cultura ocidental, mostrando como a Matemática também expressa a riqueza cultural da sociedade.

“Estamos nesse processo de decolonizar nosso currículo, mas não é fácil quando se trata de Matemática e Ciências Naturais. Estamos tateando para conseguir trabalhar melhor essas matérias, então acredito que tivemos avanço”, finaliza a professora. 

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.