A potência da arte: alunos do Vera conhecem ‘Revoada’, de Antonio Obá

Por Gabriela Del Carmen

Nascido em Ceilândia, no Distrito Federal, Antonio Obá usa da arte para dar corpo à história e seus símbolos. Abraçando linguagens e experiências próprias, o artista participa de exposições desde 2001, com trabalhos que partem de três pilares: a rememoração de acontecimentos históricos, a atribuição de novos significados a esses episódios e o processo educativo.

Em cartaz desde junho, a exposição ‘Revoada’ apresenta um conjunto de pinturas que têm a infância como fio condutor. A obra consiste em 200 pares de mãos de crianças moldadas em resina durante oficinas realizadas na Ocupação 9 de Julho (Movimento Sem Teto do Centro), no ateliê da Pina Contemporânea e em escolas, incluindo o Vera Cruz.

A instalação foi pensada a partir do contexto do museu, tendo em vista que a Pinacoteca de São Paulo, hoje um dos mais importantes museus de arte do país, foi construída originalmente com um viés educacional. 

“A proposta partiu do que o Edifício Pina Contemporânea representou no passado – um espaço educativo, uma escola. Casou muito com a vida pedagógica que trago, com mais de 20 anos de prática no setor público”, diz Obá em um vídeo contando sobre a exposição. Durante anos, ele foi professor de artes para crianças.

O primeiro contato dos alunos com Obá foi por um vídeo no qual o artista contava de sua obra e trajetória. “As crianças ficaram bastante curiosas e interessadas em saber mais. Depois, mostramos alguns trabalhos que ele já havia feito, principalmente os que têm as mãos e os gestos”, conta a professora-coordenadora de artes Mariana Galender. Para estimular a sensibilidade dos alunos, a educadora propôs que eles pensassem sobre os conceitos de arte, educação e liberdade, e refletissem sobre seus significados.


Um olhar de admiração

Em março, depois da familiarização com a obra de Obá, as turmas do 1º e 2º ano receberam o artista para finalmente colocar em prática tudo que haviam aprendido durante as aulas. A atividade resultou em uma colaboração para a obra que integra a exposição na Pinacoteca Contemporânea. O artista foi recebido em coro pelos pequenos, que clamavam entusiasmados: Obá! Obá! Obá! “Foi o dia de popstar dele”, brinca Mariana.

A professora observou atenta a forma como as crianças o receberam e se emocionou com o resultado. “Todos queriam mostrar seus desenhos e falar com ele. As crianças negras o olhavam com muita admiração, o que mostra a potência desse encontro – a oportunidade de verem uma pessoa que valorizam e conseguirem se reconhecer nele. As crianças brancas também estavam muito abertas, fazendo perguntas e levantando a mão para conversar com ele”, relembra.

A proposta era criar gestos com as mãos que representassem a liberdade, e o resultado foi o mais diverso possível: corações, árvores, plantas brotando, raízes, flores, cumprimentos e movimentos de abrir os braços e dançar. As referências de pássaros das pinturas de Obá também foram uma grande influência, com representações dos animais e ilustrações que remetem ao voo.

As crianças desenharam, modelaram a representação na argila e, em seguida, usaram as próprias mãos para criar moldes na resina. “A postura dos alunos me surpreendeu muito”, diz a pedagoga Juliana de Paula Costa. “Eles estavam encantados com o trabalho do Obá, extremamente conectados com tudo que ele propunha. Olhavam para ele com brilho nos olhos, compreendendo o artista como uma pessoa muito importante na sociedade”, completa.


Engajando a comunidade

Visando o próximo semestre, o encontro despertou novas ideias para o projeto. A expectativa é que as crianças visitem a exposição para ver o resultado do trabalho e, assim, reconheçam a importância das obras e da própria Pinacoteca para a cidade. “Muitas vezes, o que acontece fora da escola nos permite trabalhar questões curriculares fundamentais. Queremos criar formas de fazer essas conexões acontecerem aproximando o currículo de artes com outras disciplinas”, pontua Mariana.

Além das crianças, as educadoras esperam levar a equipe pedagógica e administrativa para que todos entrem em contato com a poética de Obá. O objetivo é criar um mural contando sobre a parceria com o artista e a exposição na Pinacoteca. “Queremos fazer isso circular para as famílias, outros alunos e qualquer pessoa que estiver passando pela escola para que também conheçam Obá e seus trabalhos.”

Além da instalação, a exposição de Obá reúne 20 pinturas também ligadas ao tema da infância e ao movimento de abordar questões históricas. “No percurso de revisitar momentos da história, o artista inscreve a tragédia e a violência em um tempo mítico, transformando os personagens históricos em entidades, arquétipos que podem rever sua posição na própria história”, diz a descrição da exposição no site da Pinacoteca. “As crianças-personagens do artista são agentes do seu tempo, conscientes e capazes de transformar o mundo.”

Para Juliana, o trabalho com Obá foi profundamente inspirador do ponto de vista pedagógico. “Percebemos a importância de conhecer e reconhecer um artista negro como ele, que em suas obras reflete sobre questões urgentes para construir uma sociedade mais humana. Vimos a potência e a necessidade de estarmos cada vez mais próximos de artistas decoloniais, que nos ajudam a ver a realidade de outras maneiras e a sonhar outras possibilidades de mundo”, finaliza.


Serviço

Local: Pinacoteca de São Paulo; Edifício Pina Contemporânea

Quando: Em cartaz até 18 de fevereiro de 2024

Ingressos e mais informações: aqui

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.