Por Gabriela Del Carmen
“Quando o agogô soar
O som do ferro sobre o ferro
Será como o berro do bezerro
Sangrado em agrado ao grande Ogum
Kabieci lê – vai cantando o ijexá pro pai Xangô
Eparrei, ora iêiê – pra Iansã e mãe Oxum
‘Oba bi Olorum koozi’: como deus, não há nenhum”
A canção “Serafim”, de Gilberto Gil, faz uma bela homenagem à grandeza dos orixás, divindades da mitologia africana Iorubá associadas a forças da natureza que movimentam o universo e a vida humana. No último semestre, alunos do G5 tiveram a oportunidade de trabalhar o tema com leveza e criatividade, a partir de um projeto multidisciplinar que incluiu rodas de leitura, músicas, atividades práticas e experimentos de ciência.
“A intenção era trazer a cultura africana de forma respeitosa e que motivasse as crianças a aprender. É comum que as pessoas tratem o assunto pelo lugar da luta, da dor e do sofrimento, mas queríamos que os alunos tivessem a beleza e o encantamento como primeira impressão, mostrando toda a força e o valor das culturas africanas”, explica a professora Andrea Felix, que conduziu a atividade com a professora auxiliar Thatiany dos Santos.
Tudo começou com uma carta da professora Adriana Tavares. Cativada pelo trabalho que a turma havia feito sobre os diferentes tipos de ervas, ela escreveu para os alunos contando sobre Ossaim, orixá das folhas sagradas e medicinais, e indicou que escutassem a canção “Banho de Folhas”, de Luedji Luna, que menciona Oxalá. Os alunos gostaram tanto que as professoras aprofundaram os estudos sobre os orixás, a começar pela leitura de “Ciranda em Aruanda”, de Liu Olivina.
“É um livro acessível, escrito de forma curta e simples para apresentar os orixás, e as crianças ficaram bem curiosas”, explica Andrea Felix, que conduziu a atividade com Thatiany. Após a leitura, as turmas mergulharam em pesquisas sobre alguns dos orixás mais conhecidos no Brasil, como Iemanjá, Xangô, Ogum, Oxóssi, Nanã, Oxum e Iansã, e ficaram maravilhados pela cor, o elemento da natureza, o dia da semana e a comida preferida de cada divindade, além de aprenderem sobre as energias dos orixás e relação entre eles e os mitos e religiões africanas.
Nas imagens e cores, a grandeza do mundo
Para evidenciar a beleza afro, as professoras levaram imagens do ensaio feito pelo fotógrafo norte-americano James C. Lewis, cuja coleção Yoruba African Orishas retrata 20 das divindades Iorubá. “Foi maravilhoso trazer várias representações dos orixás. Eram os desenhos do livro ‘Ciranda em Aruanda’, os ensaios fotográficos, imagens de um ensaio da Vogue e ilustrações em preto e branco. Mostramos tudo para as crianças, partindo do lugar da beleza e da imponência da cultura afro”, conta Thatiany. Encantados, eles construíram um mural com várias imagens de cada orixá, com diferentes estéticas.
As pesquisas seguiram com a leitura dos livros “A mitologia dos Orixás”, de Reginaldo Prandi, e “Órun-Àiyé: O Encontro de Dois Mundos”, de José Beniste. O primeiro reúne uma coleção de histórias sobre os orixás, e o outro aborda o mito da criação do mundo segundo a tradição Iorubá. “As crianças costumam ter muita curiosidade pela origem do mundo e o surgimento da vida. Então, trouxemos um pouco disso para os estudos”, conta Andrea.
Expressões artísticas
Os pequenos viveram momentos intensos de encantamento ao conhecer figuras como Iansã, dos ventos e tempestades; Oxum, das águas doces; Xangô, da justiça e do domínio do fogo; e Nanã, com sua sabedoria e o poder do barro. A professora especialista de artes Mariana Serri organizou contextos com música, aromas e materiais referentes a cada um dos orixás. Assim, também no ateliê, colocaram em prática os elementos de cada divindade para investigar o ar, a água, o fogo e a terra por meio de experiências estéticas e científicas.
“Queríamos fazer um trabalho de ciências da natureza, e como os orixás representam os elementos, conectamos as disciplinas”, explica Thatiany. Segundo a professora, o deslumbramento era nítido. “Crianças que normalmente não se engajam participaram e expuseram suas ideias, o que foi emocionante. Percebemos que todo mundo – alunos, famílias e professores – estava realmente envolvido, o que dava ainda mais valor ao projeto”, completa.
Entrelaçando os conhecimentos sobre os orixás com explicações de origem científica, cada vivência no ateliê gerava entusiasmo por aprender sobre a propriedade dos elementos.
Duas ciências, uma diversidade cultural
Os grupos fizeram desenhos em aquarela para representar a água e esculturas em argila para a terra. A partir da investigação dos ventos de Iansã, fizeram uma pintura com bolinhas de sabão e nanquim, com o objetivo de fazer a bolinha colorida cair no papel.
“Às vezes, estourava no ar; outras, caía fora da folha. As crianças tinham que pensar como fazer dar certo, ajustando o corpo e a força do sopro para que a bolinha caísse onde deveria”, conta Thatiany. Depois, repetiram o experimento usando um ventilador em vez do próprio sopro, ajustando a direção do vento para levar as bolas de sabão ao papel.
Já para aprender sobre os estados da água, as turmas molharam e penduraram tecidos finos em um varal num dia ensolarado. Observando atentos, logo perceberam a transformação: “A água secou, saiu do tecido!”. Começaram, então, a levantar hipóteses para o que havia acontecido. “O sol esquentou a água. Uma quantidade escorreu e foi parar no chão”, concluíram.
Com o apoio dos adultos, a turma fez o experimento de ferver a água em um recipiente, analisando a forma como ela borbulhava ao entrar em contato com o fogo. “Xangô, orixá que representa o fogo, ferveu a Oxum, das águas doces, e ela virou Iansã, dos ventos”, narrou um dos alunos. “São as moléculas. Quando está no gelo, elas estão duras, paradas. Quando vira água elas se soltam”, disse outro.
“Nas ciências humanas, entendemos a cultura e aprofundamos os estudos sobre os orixás e as narrativas de origem do mundo. Já nas ciências da natureza fizemos pesquisas com fogo, água, ar e terra”, diz Andrea. As atividades transformaram o projeto em um rico trabalho multidisciplinar. “Quando falamos sobre os orixás e a natureza os alunos ficaram fascinados e acolheram a proposta com muita admiração”, lembra Thatiany.
