Beatriz Calais
Tradicional celebração brasileira, a festa junina representa muito bem a complexidade cultural do nosso país: trazida de Portugal como uma festividade católica, o contato com novas matrizes culturais, como a africana e a ameríndia, a enriqueceu de diversidade, fazendo desta festividade uma representante legítima do mix de costumes e crenças dos povos que originaram o Brasil.
Falando desse jeito, o tema pode até parecer complexo demais – mas quem disse que não é possível se aprofundar nele com leveza? Para os alunos do 1o ano do Fundamental do Vera, o assunto foi tratado a partir de um projeto que incluiu rodas de leitura, músicas, apreciação multimídia e debates. Especificamente no grupo das professoras Mariana Albuquerque e Fernanda Hungerbühler, este assunto rendeu boas conversas e aprofundamentos. “Durante o semestre, nós trabalhamos a história do Bumba meu boi como uma preparação para a festa junina. No processo, eles tiveram contato com questões de matriz africana e ameríndia, então acabamos falando sobre a história de formação do Brasil a partir de uma narrativa fantástica”, explica Mariana.
A professora promoveu uma atividade para apreciação de fotografias de Pierre Fatumbi Verger, etnógrafo que retratou as relações e semelhanças culturais entre o Brasil e a África a partir de imagens. Em um dos exemplos, é possível ver uma representação do Bumba meu boi no Brasil e outra em Benin, país da África Ocidental. “Não é interessante a mesma festa nos dois países? Por que será que isso acontece?”, perguntou Mariana à turma.
Para Julia, de 7 anos, a resposta foi muito clara: “Talvez a África tenha trazido todos esses instrumentos para todo mundo conhecer e não deixar de fazer os costumes deles. Talvez para honrar a África”, disse. “Deve ser para eles não esquecerem dos costumes deles quando voltarem pra África, mas não sei se deu para voltar”, completou Tomás.
“Foram pontuações fortes que me marcaram muito”, recorda a professora. “As crianças perceberam que as nossas manifestações culturais têm muita relação com a África. Isso abriu as portas para que a gente falasse sobre temas mais profundos, como a vinda dos africanos para o Brasil por conta da escravidão.”
No processo, eles também estudaram contos indígenas – já que há curandeiros e pajés na narrativa de Bumba meu boi –, tiveram contato com a musicalidade do berimbau e dos atabaques, em uma vivência com familiares capoeiristas de uma das alunas da turma e conheceram a obra Bandeira de São João, de Ronaldo Correia de Brito e Assis Lima.
No livro, os festejos juninos são contados por meio de narrativas que remontam a lendas, mitos e adivinhações populares, fazendo referência a Xangô, orixá de mitologia africana, ao santo católico São João e a Coraci e Jaci, que representam o sol e a lua em mitologias indígenas.
Como parte do processo, os alunos também foram apresentados à história de Zumbi dos Palmares e dos quilombos como um lugar de proteção e luta pela liberdade do povo negro e escravizado. “A escravidão é uma história muito triste porque alguns morreram e alguns não conseguiram voltar”, destacou Tomás. Para as crianças, o contexto histórico deixou claro a importância de valorizar a ancestralidade e a resistência da cultura afro nos tempos atuais.