Replantar e renascer com a floresta

Gabriely Araújo e Wellington Soares

Enquanto plantava uma muda de árvore na aldeia Tekoa Itakupe, na Terra Indígena do Jaraguá, a pequena Lia relembrou tudo o que havia discutido com seus colegas e professoras no G4 ao longo do ano. Com a muda firme no chão, Lia resumiu a experiência que a turma havia vivido até ali: “A gente plantou a nossa vida”.

A conclusão não poderia deixar as professoras Daniela Morita e Fernanda Vignola, que escutavam atentamente, mais felizes. Em 2024, elas conduziram a turma em um processo investigativo sobre a natureza e a relação entre os elementos presentes na floresta. O projeto Coexistências tinha como objetivo que as crianças conhecessem cosmovisões de diferentes povos indígenas e entendessem um ponto comum a todas elas: para os povos originários, na natureza todos são seres, árvores, insetos, humanos, animais, rio, montanha, sol… e coexistem de maneira interligada na floresta.

O trabalho começou no primeiro semestre com uma longa investigação sobre as árvores. No trabalho, as jabuticabeiras que vivem no quintal da escola ganharam protagonismo. Nela, as crianças puderam observar a relação da árvore com os pássaros. “Na jabuticabeira viviam dois passarinhos: Antônio e Malui. Eles gostavam de voar de mãos dadas. Essa árvore era especial, pois sabia fazer nascer jabuticabas. Quando os passarinhos comiam, jogavam as sementes no chão. As sementes morriam e nasciam flores!”, conta Teo.

Essas relações foram o ponto de partida para o segundo semestre. As professoras lançaram mão de textos literários e informativos, com destaque para materiais escritos por cientistas e escritores indígenas, além de vídeos e obras de arte para que as crianças pudessem ter contato com diferentes explicações sobre as relações estabelecidas entre todos os seres vivos presentes em uma floresta. As crianças ampliaram suas investigações usando diferentes linguagens: desenhos, colagens e modelagem.

Um dos destaques foram as interações com o vídeo O Sol e a Flor. Após assistirem e debaterem suas percepções, as crianças foram convidadas a intervir sobre as animações. Para isso, as professoras o projetaram na parede da sala de aula e convidaram a turma a fazer desenhos e colagens para inserir elementos em algumas das cenas. “Repetimos essa atividade algumas vezes ao longo do projeto e, sempre que voltávamos a essa proposta, as crianças adicionavam novos elementos. Após a nossa visita à aldeia, por exemplo, a Tamikuã Txihi, liderança que nos recebeu, passou a ser desenhada e inserida pelas crianças nessa cena”, conta Daniela.


Das queimadas à reconstrução da floresta

Em agosto de 2024, enquanto o projeto acontecia, o céu da cidade de São Paulo foi tomado por fuligem vinda de queimadas no interior do estado. “As crianças traziam esse episódio: falavam do cheiro, da dificuldade de respirar, da ardência nos olhos”, relembra a atelierista Dani Dini, que também participou do projeto.

As percepções das crianças sobre o impacto das queimadas serviram de discussão para que refletissem sobre a destruição da floresta e sobre sua restauração. No ateliê, as educadoras trouxeram um graveto e provocaram: “Essa floresta foi toda queimada e só restou essa árvore. Como começa uma floresta? O que ela precisa?”, perguntou Dani.

A resposta foi construída no ateliê, ao longo do projeto, com as crianças modelando uma nova floresta em argila. O uso do material também rendeu boas conversas: “A gente aproximou os estudantes de comunidades tradicionais que vivem do barro, de comunidades tradicionais indígenas também, que vivem do barro e o modelam. Também discutimos como é a extração desse material, que é feito na floresta, e mostramos como ele chega até a gente”, relembra a atelierista.

Para botar a floresta de pé, entraram em jogo as relações entre todos os elementos desse espaço. As árvores, é claro, estavam presentes, mas muitos outros personagens também apareceram: “Uma borboleta foi em cima da árvore queimada. Depois, veio uma abelha. Precisa ter abelhas para a floresta nascer de novo, pois ela

vai fazer mel para todo mundo. O coelho ficou junto da árvore”, explicou Micaela Teperman e Souza sobre sua contribuição.


Reflorestar o Jaraguá

Um dos momentos mais marcantes para a turma foi a ida à aldeia Tekoa Itakupe, localizada na Terra Indígena do Jaraguá. Já há alguns anos, a professora Daniela Morita está envolvida em atividades de reflorestamento ali, organizadas por essas comunidades e suas lideranças indígenas, como a artista Tamikuã Txihi. “A visita foi intencional, pois achávamos importante que as crianças tivessem uma vivência real. Lá, pudemos plantar mudas de árvores nativas ao lado da Tamikuã”, diz Silvia Macul, orientadora da turma. Antes de irem à aldeia, a turma na escola providenciou 12 mudas de juçaras e araucárias, que foram cuidadas até o dia da ida ao Jaraguá.

Na Tekoa Itakupe, os pequenos conversaram com Tamikuã sobre o processo de reflorestamento e sobre a técnica adequada para plantar as mudas (e puderam ajudar a liderança no plantio). As crianças participaram também de outras atividades:  visitaram a Toka da Onça Oka, um espaço cultural de memória viva e recuperação da Mata Atlântica, e também conheceram esculturas feitas por Tamikuã.

A liderança indígena e artista também contou como o projeto de reflorestamento do local tem trazido nova vida ao espaço. “Há uma família de preguiças que voltou a viver por lá, macacos, e aves”, lembra Daniela Morita. Tamikuã também disse que sonhou que os animais da floresta pediam água a ela, o que a levou a cavar lagos no espaço, para guiar a água até a área reflorestada.

De volta à escola, o projeto continuou reverberando: a turma revisitou as fotos da visita, escreveu legendas coletivamente para as imagens e uma carta de agradecimento a Tamikuã. Além desses momentos, as memórias da visita se fizeram presentes nas brincadeiras, nas atividades com múltiplas linguagens e nas conversas em sala de aula.

Para as educadoras responsáveis pela turma, o objetivo inicial do projeto foi cumprido e, como sempre, as crianças as surpreenderam com sua sensibilidade e a naturalidade com que compreenderam a visão que os povos indígenas possuem sobre sua relação com a natureza. Um sinal que dá esperança para o futuro: “Brincar de reflorestar é uma necessidade para as futuras gerações”, afirmam as professoras.

Para saber mais

Site da artista indígena Tamikuã Txihi: https://tamikuatxihi.com.br/

Instagram da Reserva Indígena Tekoa Itakupe: https://www.instagram.com/tekoa_itakupe/

Canal no Youtube do Selvagem, ciclo de estudos sobre a vida: https://www.youtube.com/@selvagemciclo8

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.