Wellington Soares

O estudo “Povos originários do Brasil e as culturas indígenas”, realizado no 3º ano do Ensino Fundamental, tem como objetivo apresentar às crianças as culturas de diferentes etnias indígenas, aproximando-as dos conhecimentos produzidos e desafios vividos por esses povos. No Vera, esse trabalho tem como objetivo fazer com que as crianças questionem visões sobre esses povos que foram trazidas pela colonização e ainda hoje são comuns, como explicamos na reportagem de capa desta edição da Zum-Zum.
Em 2024, essa sequência didática se inspirou no formato de outro projeto implementado na escola: um estudo das comunidades tradicionais brasileiras feito pelas turmas do 5º ano. Assim, o grupo de educadores decidiu estruturar o projeto de forma que cada turma do 3º ano pesquisasse sobre uma etnia e, depois, pudesse trocar seus conhecimentos com os colegas. “Foi uma escolha para dar ainda mais profundidade ao estudo e favorecer o protagonismo das crianças”, conta Emiliam Cunha, a Dami, orientadora da série em 2024.
O projeto teve início durante a formação da equipe de professores, em que os educadores buscaram construir perguntas que guiassem os trabalhos realizados em todas as turmas. “Pensamos em duas grandes questões. A primeira foi: como podemos conhecer esse povo por meio da sua produção de conhecimento? E a segunda foi: quem são e onde estão essas pessoas?”, lembra Dami.
A ideia era, com base nessas questões, abrir espaço para que os próprios estudantes também colocassem suas novas questões e que o caminho percorrido por cada sala acolhesse a curiosidade e o interesse dos estudantes de cada turma.
Para dar início ao trabalho, cada professor escolheu uma etnia para a pesquisa de sua turma. Foram elencadas as etnias Sateré Mawé, Ashaninka, Baniwa, Kaingang, Karipuna e Wapichana. Paula Dellaquila, professora de uma das turmas do 3º ano e professora coordenadora de Ciências Humanas no ano, conta que tanto alunos quanto professores tiveram de se dedicar à pesquisa. “Temos um grupo de professores que são muito engajados, e buscaram ativamente se envolver nas discussões e no estudo. É absolutamente importante para um professor que conduz um projeto que ele esteja conectado com o sentido daquilo que ele ensina. Quanto mais sentido tiver para o educador, mais sentido vai ter para as crianças também”, ressalta Dami. “A turma com a qual eu trabalhei, o 3º D, estudou o povo Ashaninka. Eu mesma não os conhecia e tive de pesquisar bastante sobre eles”, conta Paula.
Parte importante do trabalho foi entender a localização geográfica do povo que cada turma estava estudando. Para isso, as turmas fizeram leituras de mapas que os localizavam no Brasil e, de forma mais ampla, na América do Sul. Essa leitura permitiu que as crianças entendessem que as fronteiras políticas atuais, entre os diferentes países do continente, foram criadas sem levar em conta os povos indígenas. “O povo Ashaninka, por exemplo, vive distribuído entre o Peru e o Acre. Em sala, as próprias crianças notaram que, para esse povo, não existia essa divisão entre o Brasil e o país vizinho, e que ela foi imposta após a colonização”, lembra Paula.

Um princípio importante foi garantir que os estudantes estavam aprendendo com os povos indígenas e não apenas sobre eles. Isso implicou o uso de vídeos em que membros dos povos apresentam seus conhecimentos, sua cultura, sua língua, e textos também escritos por autores dos povos estudados. Algumas das turmas também tiveram a oportunidade de interagir diretamente com membros desses povos, por meio de chamadas de vídeo.
No final do primeiro semestre de 2024, as turmas se prepararam para apresentar as suas descobertas aos colegas. Assim, as turmas puderam expandir seu conhecimento, tendo contato com outros povos indígenas. “Os alunos tiveram uma postura muito bacana de ensinar e trocar conhecimento com seus pares. Cada sala tinha um mural, com imagens, mapas, pequenas citações e que foi um apoio para as falas. As crianças que ouviam a apresentação tinham de fazer anotações”, conta Paula.
O projeto engajou profundamente as turmas, que falavam sobre os novos aprendizados a todo momento. Essas falas chegaram até a professora Betina, de Música, que decidiu se conectar ao projeto conduzindo as crianças na criação de narrativas sonoras sobre os povos indígenas, nas quais as crianças compartilhavam os seus aprendizados de forma musicada (ouça abaixo a história elaborada com base nos Ashaninka).
Os guarani, em sala e na aldeia

No segundo semestre, a proposta foi conhecer melhor os Guarani, povo indígena presente dentro do município de São Paulo, e todas turmas se concentraram nessa etnia. Novamente, o foco foi utilizar materiais elaborados por membros da etnia. Para isso, leram obras literárias como a coletânea de contos As queixadas e outros contos guaranis, organizada por Olívio Jukupé, e assistiram ao filme Para’í, do Grupo Audiovisual da Terra Indígena Jaraguá.
Os estudos em sala de aula serviram para que as crianças começassem a conhecer esse povo, sua história, suas tradições e seus conhecimentos. As novas descobertas foram anotadas em um caderno, em que cada criança também tomou nota de dúvidas e perguntas que ainda gostariam de explorar.
Esse material foi fundamental para embasar o estudo do meio feito pelas turmas, que foram até a Terra Indígena do Jaraguá para conhecer pessoalmente essa comunidade indígena urbana. A visita também tinha como objetivo fazer com que as crianças observassem como vivem os indígenas hoje, desconstruindo visões que relacionam os modos de vida de povos originários apenas com o passado.
Na comunidade, as turmas foram recebidas pelas lideranças Davi Popygua e Araju Ara Poty, que conduziram as crianças pelo território e responderam às questões que elas haviam formulado e anotado em seus cadernos.
Uma parte importante do estudo do meio foi a visita à Opã, templo religioso da aldeia. “Eles já o conheciam dos estudos que fizemos em sala, então foram muito respeitosos ao entrar nesse espaço”, lembra orgulhosa a professora Paula. “E na visita a gente teve uma interação muito bacana com adolescentes e crianças da comunidade, em que eles ensinaram danças tradicionais, além de jogos e brincadeiras”, conta.

A ida ao Jaraguá surpreendeu as crianças de diferentes maneiras. Uma delas foi em relação ao silêncio no local. Por ser uma aldeia urbana e localizada próxima a grandes rodovias, os alunos imaginavam que haveria bastante poluição sonora, o que não aconteceu. Em outro momento, a turma foi levada por Davi, liderança local, até o mirante no alto do Pico do Jaraguá. De lá, puderam observar o impacto da urbanização na paisagem. “O contraste entre natureza e cidade foi muito impactante para a turma”, diz Paula.
De volta do estudo do meio, as crianças discutiram sobre a experiência na aldeia e os aprendizados que fizeram ao longo do ano. O trajeto também fez com que as crianças levantassem uma importante questão: “Eles queriam entender: ‘por que esses povos precisam lutar tanto por um território que sempre foi deles e que eles trabalham tão intensamente para preservar?’”, lembra ela.
A experiência despertou reflexões profundas sobre território, cultura e conhecimento. Como destacaram os próprios alunos, a maior lição foi entender que os muitos povos indígenas continuam a lutar pelo direito de existir e preservar sua história – e que cabe a todos nós ouvir, aprender e respeitar essa trajetória.
Para saber mais
Documentário Ashaninka: semeadores de floresta, realizado pela TV Cultura.
Filme de ficção Para’í, do Grupo Audiovisual da Terra Indígena Jaraguá.
Livro As queixadas e outros contos guaranis, organizado por Olívio Jukupé, 64 p., Ed. FTD Educação, R$ 70.