Nairim Bernardo

Quando o projeto Animal Book começou, as turmas de 3º ano podiam pesquisar os animais que quisessem para, depois, criar adivinhas a respeito deles. Mas logo os professores começaram a observar que as crianças sempre escolhiam animais já conhecidos, mas não necessariamente conectados com a cultura brasileira. Ursos panda, esquilos, renas e patos eram figuras frequentes nas atividades das crianças. Mas por que a vasta fauna brasileira não aparecia?
Provocados por discussões sobre decolonização do currículo e a educação para as relações étnico-raciais que ocorrem no Vera, os professores então decidiram repensar o projeto, focando as atividades em animais da fauna brasileira.
Durante o projeto, que integra as disciplinas de Inglês e Ciências da Natureza, os alunos pesquisam, escrevem e respondem (oralmente e por escrito) como os animais são, o que fazem, o que comem, como chamam seus filhos, entre outras questões. No final do projeto, criam adivinhas, como a mostrada na imagem acima: “I am big. I am light brown and black. I live in the tropical forest. […] Who am I?”.
“Hoje se fala sobre o estudo decolonial do inglês. Quando escolhemos falar de animais brasileiros, estamos lançando o olhar para a nossa realidade, para a nossa cultura, para a nossa diversidade ambiental, para nos descrevermos, não só para descrever o que é estrangeiro”, diz o professor de Inglês Victor Viana.
O primeiro contato dos estudantes com o projeto se dá pela leitura do Animal Book feito pela turma que passou pelo 3º ano no ano anterior. As crianças leem o livro e tentam resolver as adivinhas elaboradas pelos colegas. “Fazemos muita prática oral desse conteúdo e depois vamos para a escrita, para eles darem conta de conceber as adivinhas com o máximo de autonomia possível”, conta a orientadora Michelle Sestari Perego.
Uma preocupação grande dos professores é a qualidade das fontes de pesquisa utilizadas pelos alunos. Por isso, o time elaborou um material de referência para que as crianças consultem durante o projeto, o Fact File: Brazilian Animals. “Fizemos uma ampla seleção de animais que fariam parte desse material cuidando para que fosse mantido o desafio de localizar, compreender e selecionar a informação”, conta Michelle.

As crianças foram orientadas a escolher um animal entre os 41 disponíveis no material. Em seguida, elas elaboraram e responderam uma série de perguntas sobre o bicho escolhido. Por fim, essas respostas foram organizadas como pistas de uma adivinha para que os colegas e leitores do livro tentassem descobrir sobre qual animal se referiam.

Além de conhecer os animais, explorar o material de pesquisa e fazer suas descrições, cada aluno escreveu sua charada em uma folha e desenhou o animal. Com as produções organizadas, estava pronto o Animal Book 2024 de cada turma!
O livro foi lançado na Noite de Curta, evento para exibição de um curta-metragem sobre o percurso de estudo dos povos indígenas e também uma apresentação de composições musicais das crianças. Cada aluno recebeu uma cópia para guardar e levar para casa. Segundo o professor Victor, o que mais chamou atenção deles durante o trabalho foi perceber que alguns animais carregam a identidade brasileira aonde quer que vão, pois têm o mesmo nome (ou quase) em inglês. Já os pais se surpreenderam com a qualidade das descrições que as crianças conseguem escrever em língua inglesa.
“É interessante vermos como o projeto foi evoluindo ao longo do tempo. Fomos de charadas sobre animais de fazenda, que colocávamos num mural, a um livro coletivo sobre animais diversos, a exemplares individuais com adivinhas sobre os animais da nossa fauna. E seguimos nesse processo de avaliação contínua dos nossos projetos para propormos aprendizagens cada vez mais relevantes e significativas. Avaliamos que, quando passamos a considerar como conteúdo a diversidade que permeia nossa cultura, abre-se a possibilidade de revermos e expandirmos nossa prática na direção de um currículo decolonizado”, finaliza Michelle.
Inglês, língua global
O professor Victor Viana explica que, ainda hoje, muitos materiais educacionais apresentam situações focadas nos Estados Unidos ou na Inglaterra. “Os adultos cresceram acostumados com livros que tinham o mapa de Nova York ou de Londres no início e uma sequência de situações que giravam em torno de alguém que vivia ou estava viajando para esses lugares”, explica Victor.
Mas, essa língua tem usos muito variados e é utilizada por pessoas de diferentes nacionalidades e em muitos países. David Crystal, importante linguista britânico e um dos maiores estudiosos da língua inglesa, escreveu o livro English as a Global Language, no qual argumenta que o inglês se tornou a língua global devido a uma combinação de fatores históricos, políticos, econômicos, culturais e tecnológicos.
“Precisamos considerar que o inglês tem mais falantes não nativos do que nativos. Então, não faz mais sentido preparar os nossos alunos apenas para situações de turismo, não é isso que vai nortear nossa prática pedagógica. Podemos empoderar populações do mundo inteiro para se comunicar entre si”, diz Victor.
Para saber mais
Material de referência Fact File: Brazilian Animals, produzido pelos professores do Vera para a pesquisa dos alunos.
Site Animalia, enciclopédia online sobre a vida animal para todas as idades.
Site National Geographic Kids, com informações e jogos sobre a vida animal.
Livro English as a Global Language, de David Crystal, 244 p., Cambridge University Press, disponível apenas no exterior.