Em parceria com escola estadual, alunos do Vera estudam ervas medicinais e constroem horta comunitária

Mariana Gonzalez

Os alunos do Vera Integral, na Unidade Vila Ipojuca, estão acostumados a ter contato com a terra e fazer atividades ao ar livre – afinal, a ampla área verde da escola permite e incentiva essas atividades. Mas, recentemente, essa experiência se integrou a uma reflexão sobre oralidade e ancestralidade, quando o professor Valter Alegre, de Ciências, colocou em prática o projeto “Ervas ancestrais”, com cerca de 20 alunos do 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental. A ideia era usar a horta da escola para aproximar as crianças, que têm entre 8 e 10 anos, de conhecimentos tradicionais sobre as plantas, especialmente ervas usadas para auxiliar no tratamento de sintomas e doenças. Tudo isso em parceria com uma escola vizinha do Vera: a EE Professora Marina Cerqueira Cesar, que fica a poucos metros de distância. 

“Essa não foi a primeira vez que eles mexeram com a terra e com plantio, mas era preciso renovar a nossa horta, que chamamos de ‘laboratório a céu aberto’, e comecei a pensar em intersecções entre a natureza e a infância, a comunidade, as ciências”, conta o professor Valter. “As ervas de quintal desabrocham cheiros, texturas e cores, mas também curas, sabores e afetos. Então percebi que, a partir do plantio, poderíamos falar sobre identidade, bebendo na fonte dos conhecimentos ancestrais, das pessoas mais velhas, especialmente os conhecimentos vindos de povos africanos e indígenas. Afinal, saber mais sobre o chá que meu avô aprendeu com a mãe dele é aprender um pouco mais sobre a nossa identidade, sobretudo, valorizar a herança dos povos originários.”

Primeiro, Valter pediu que a turma fizesse uma pesquisa em casa, perguntando aos familiares — especialmente os mais velhos — quais ervas de quintal eles conheciam, já tinham cultivado e consumido. Em paralelo, entrou em contato com a coordenação do “Marina”, como é chamada a escola vizinha, para propor uma parceria: as crianças da mesma faixa etária (8 a 10 anos) fariam a mesma pesquisa com suas famílias e depois os alunos das duas escolas se reuniriam no Marina para trocar os conhecimentos adquiridos. “Nessas pesquisas, apareceram muitas folhas usadas para tempero e essências caseiras, como manjericão, cebolinha, lavanda, mas depois o projeto seguiu com foco no conhecimento medicinal sobre essas ervas”, explica o professor de Ciências. “As crianças compartilharam umas com as outras receitas como a da avó que usa babosa para ferimentos, e dos chás de boldo e carqueja para a digestão.”

Fernanda Madalena Augusto, coordenadora do Marina, disse que essa foi a primeira vez que seus alunos tiveram experiência com plantio nas atividades escolares. “O projeto aguçou a curiosidade dos nossos alunos sobre as ervas ancestrais; muitos deles já viram a mãe ou a avó tomando chá, por exemplo, mas não conheciam exatamente aquelas folhas, e aprenderam que remédio nem sempre é comprimido, que existem outras alternativas”, diz.

Além de pessoas da família, as crianças ouviram duas pessoas da comunidade escolar que têm muito conhecimento sobre ervas de cura: Maria da Conceição de Sousa, da equipe do Vera, mostrou à turma a folha-santa, que é muito usada em terreiros de matriz africana e tem propriedades cicatrizantes para úlcera, e contou a história de uma vizinha que se beneficiou dela em seu processo de cura; e Tania Leoni, uma moradora que vive próximo às duas escolas e recebeu as crianças no seu “quintal encantado”, onde cultiva dezenas de espécies de plantas medicinais, para falar sobre os cuidados com essas plantas, quais propriedades de cura elas têm e como utilizá-las.

“Assim, a gente foi bebendo de uma fonte de conhecimento que era muito praticada por comunidades tradicionais: a tradição oral, ou seja, abrir uma roda e ouvir quem é mais antigo, tem mais vivência. Esse também foi um foco importante de aprendizado do nosso projeto”, diz Valter.

Professor e alunos também consultaram o livro “Guia de campo: dos Campos de Piratininga”, que recupera espécies do cerrado paulistano, para complementar as pesquisas que fizeram com as famílias e outras pessoas da comunidade. “Não é a ciência nesse modelo tradicional, que é feita em laboratório e segue uma metodologia científica, mas é ciência porque envolve conhecimentos construídos e aprimorados ao longo de anos, a partir de observação e experimentação. Uma não existe em detrimento da outra, elas se complementam”, argumenta.

Ao fim do projeto, as cerca de 50 crianças (20 do Vera e 30 do Marina, aproximadamente) criaram um viveiro de ervas na calçada do Marina, ao alcance dos moradores da região. Primeiro, colocaram suas ideias no papel, decidindo em conjunto, por exemplo, quais seriam as plantas mais resistentes, como proteger a plantação dos animais de estimação que circulam por ali e como garantir a irrigação da horta, que apesar de pequena, abriga uma boa variedade de folhas, como carqueja, babosa, boldo e melissa.

Todas as atividades externas à escola – visita ao Marina e à casa de Tania, além da construção da horta – foram feitas caminhando. “Andando pelo bairro, elas iam encontrando outras espécies de plantas e ampliando o olhar para a vida na cidade. Essas atividades ampliaram os horizontes de atuação no território, que é um foco importante do Vera Integral”, conta o professor Valter.

Fernanda, a coordenadora da EE Professora Marina Cerqueira Cesar, diz que a horta segue firme e forte. “Algumas pessoas ainda têm receio de pegar as folhas, porque acham que o viveiro pertence à escola, mas sempre que perguntam incentivamos a colheita”, conta.

Para saber mais

Livro “Guia de campo: dos Campos de Piratininga”, de Daniel Caballero, 181 p., Ed. La Luz del Fuego, R$ 36,10. Disponível em: https://www.cerradoinfinito.com.br/guia-de-campo. Acesso em: 27 fev. 2025.

Vídeo “Plantar, colher e respirar — com Dona Jacira”, produzido pelo Sesc Pinheiros e publicado em 13 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=35t8oOp3YfE. Acesso em: 27 fev. 2025.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.