Alunos do Grupo Guardião criam protocolo para mitigar intimidações e acolher os colegas
Reportagem: Mariana Gonzalez
O que é bullying? Como defini-lo? Como os colegas podem acolher o autor e o alvo das agressões? E qual é a diferença entre bullying e racismo? Essas foram algumas perguntas que surgiram nos primeiros encontros deste ano do Grupo Guardião das Diferenças e da Equidade. O coletivo de cerca de 60 alunos do 8º e 9º ano foi formado pelos estudantes em 2024 como mais uma forma de colaborar com o projeto de educação para as relações étnico-raciais, e, com base nas discussões sobre racismo tidas entre os membros e com educadores, observou a necessidade de debaterem questões sobre bullying e convivência.
O assunto veio à tona quando as orientadoras Maria de los Angeles Rodriguez e Cristina Coin pediram que os alunos analisassem o protocolo de ações antirracistas já existente e em prática na escola, tecendo comentários e fazendo os apontamentos que achassem pertinentes. O tema “bullying” despontou a partir da discussão entre as diferenças entre bullying e racismo, ressaltadas em um dos textos usados como referência.
Daniel Helene, coordenador das turmas do 6º ao 9º ano, conta que, quando a demanda de falar sobre bullying surgiu entre os alunos, a escola prontamente abraçou a discussão. “É importante estudar este assunto porque muita gente atribui o termo ‘bullying’ a todo tipo de conflito, inclusive indisciplina pontual, cenários de exclusão e episódios de racismo. Todas essas situações são importantes, mas pedem intervenções diferentes”, explica Helene.
Desde o início do ano letivo, portanto, os alunos que integram o Grupo estão estudando o bullying – do que se trata, quais são as características que o definem e quais são as melhores práticas para mitigá-lo e acolher os envolvidos. Ao longo do processo, os estudantes destrincham os atuais protocolos adotados pela escola, compreendendo-os e, com base em suas reflexões, farão sugestões de ajustes e complementos para as ações que já existem.
Construção coletiva
O primeiro passo para construir o conjunto de boas práticas diante do bullying foi entender melhor esse problema. Para isso, as orientadoras Cristina Coin e Maria de los Angeles Rodriguez, orientadoras do 8º e 9º ano, respectivamente, apresentaram alguns materiais importantes, que serviram de base para os estudos, especialmente produzidos pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral, da Unicamp e da Unesp.
Logo, os alunos decidiram substituir o termo “bullying” por “intimidação sistemática”. “Achei essa decisão bárbara, porque, com essa nomenclatura, passa a ser possível diferenciar com mais facilidade o bullying, que é um termo tão gasto, de outras agressões”, fala a orientadora Maria de los Angeles Rodriguez, conhecida como Lô.
Ela conta que os alunos focaram seus esforços em entender o que eles, enquanto colegas, podem fazer diante de uma situação de intimidação sistemática. “É claro que nós, adultos, educadores, temos que agir, mas eles se preocuparam sobre como eles podem participar dessa solução, acolhendo, incluindo e avisando os professores, claro”, diz Lô.
Mas o principal aspecto que os alunos do Grupo entenderam como fundamental diante de uma situação de bullying é não expor os envolvidos .“É importante que exista um roteiro que oriente o que fazer para ajudar os alunos diante dessas situações, mas especialmente para não expor nem as vítimas nem os agressores. Muitas vezes, sem saber a história, os outros alunos podem julgar os envolvidos sem saber exatamente o que aconteceu”, fala a aluna Livia.
“A gente pensou na importância de não expor ninguém porque, quando a gente expõe essas pessoas, obriga a vítima a reviver aquela situação e também desconsidera todo o contexto do agressor. Ou seja, prejudica todo mundo. O grupo também entendeu que uma conversa entre a vítima e o agressor, para tentar uma reconciliação, pode ser a solução em alguns casos, mas apenas se essa for a vontade de quem sofreu as agressões”, diz a estudante Luana. “Afinal, o agressor também faz parte da escola e, se a gente exclui ele, estamos repetindo a violência”, completa Rafael, outro membro do grupo.
Incluir a vítima no seu ciclo de amizades, defendê-la se necessário e não se influenciar a perpetuar o bullying também são práticas importantes que os alunos identificaram.
Uma questão de gênero
Rafael e Frederico fazem parte de uma minoria no Grupo Guardião – os meninos. À Zum-Zum, eles contam que a masculinidade tóxica, ou a ideia de que homens devem se comportar de uma maneira nociva, é um fator que ajuda a agravar episódios de bullying. “Muitas vezes, você está sofrendo bullying, mas tem que sofrer calado, não pode contar para ninguém, ou falar sobre o que está sentindo, porque vai ser visto como fraco, como x-9”, fala Frederico. E Rafael completa: “Percebo isso toda hora. Essa masculinidade tóxica, de ter que ficar quieto, aguentar, não falar pra ninguém, como se pedir ajuda fosse sinal de fraqueza”.
Rafael chegou ao Vera no início deste ano letivo; na escola anterior, foi vítima de bullying. “É uma catástrofe, algo que mexe muito com a gente, gera depressão, ansiedade. Entrei no Grupo Guardião porque gostaria de dividir minha experiência como vítima de bullying e ajudar a acolher outras pessoas”, lembra.
No último dia 29 de maio, os alunos do Grupo Guardião apresentaram seus estudos e suas sugestões para o protocolo antibullying para todo o corpo técnico da escola, formado por diretores, coordenadores, orientadores e psicólogos. “Eles conseguiram fazer uma síntese perfeita de tudo o que trabalharam ao longo do semestre. Foi muito bonito”, elogia a orientadora Lô. “Foi muito importante para a escola entender o bullying a partir da nossa perspectiva”, disse a aluna Luana.
“Claro que o protocolo em si é muito importante, é um produto final valioso, mas o mais importante é o processo dos alunos de reflexão e aprofundamento sobre o tema, e tomada de consciência de que podem ser agentes ativos diante de situações que presenciam no coletivo”, afirma o coordenador Daniel Helene.
Para saber mais
Site | Página do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral, da Unicamp e da Unesp.