Lições de ancestralidade, arte e cultura aprendidas com blocos afro

Alunos desenvolveram performance e intervenções artísticas inspiradas em tradições afro-brasileiras

Reportagem: Nairim Bernardo

O bloco formado por estudantes do Ensino Médio e do 9º ano se apresentou durante a Festa Junina. Além da vivência em danças e música, o trabalho também envolveu oficinas de prototipagem, Arte e fotografia.

Em 2024, os blocos afro-brasileiros Ilê Aiyê e Ilú Obá De Min comemoraram 50 e 20 anos respectivamente. Pensando nisso, Richard Guimarães Brito, professor de dança do Vera Cruz e membro do Ilú Obá, em que se apresenta com pernas-de-pau, propôs que os alunos criassem artística e coletivamente um cortejo inspirado nos blocos de Salvador e São Paulo, composto por orquestra percussiva e corpo de baile.

O bloco se apresentou na festa junina do Vera Cruz e foi composto por 98 alunos, sendo a maioria do Ensino Médio. Além deles, cerca de 15 alunos do 9º ano também compuseram o grupo: eles fazem parte de uma iniciativa da escola que promove momentos optativos para os estudantes do final do Ensino Fundamental se integrarem com os da próxima etapa. Também participaram outros professores, como Pedro Ito (Música), Juliana Maia (Dança), André Hosoi (Música), Cristiane Mouro (Educação Física) e Anita Viladarda (Educação Física).

“O que incentivou os alunos a participar foi o interesse pela diversidade, a paixão pela cultura e pela arte, além do desejo de fazer parte de uma construção coletiva. A festa junina no Vera Cruz já é um grande evento e muito querido pela comunidade, até mesmo alunos que são tímidos e que em outras ocasiões gostam de ficar mais anônimos, gostam de estar lá no fazer coletivo”, conta Richard. “Tomamos o cuidado de colocar o nome de Bloco Percussivo e Dançante, e não bloco afro, pois estamos num ambiente com muitas pessoas brancas.”

No início do processo, aconteceram palestras educativas sobre a história e a influência da cultura africana no Brasil. Para essas ações, a escola contou com a participação especial da mestra Beth Beli, do Ilú Obá De Min, e de Flavia Mazal, da Trupe Benkady. Segundo o professor, mesmo que tenha sido optativa, houve uma mobilização envolvendo a coordenação para que a conversa acontecesse em um horário no qual todos os alunos do Ensino Médio conseguissem participar e tivessem acesso ao conteúdo envolvendo os blocos africanos e afro-brasileiros.

Parte importante do trabalho foi a reflexão sobre como esses blocos se formaram e a influência da cultura e da religiosidade afrobrasileira nessas manifestações culturais.

Os ensaios começaram em abril e prosseguiram por dois meses e meio no contraturno escolar. As mestras Beth Beli e Flavia Mazal, continuaram envolvidas, agora como assessoras musicais e de dança. Richard dividiu os encontros em dois momentos: primeiro, os alunos aprendiam mais sobre a música e dança africanas, e depois integravam e vivenciavam ambos.

No dia da festa junina, o bloco fez uma apresentação de 50 minutos que incluiu danças tradicionais africanas, música ao vivo com instrumentos, como tambores e berimbaus, capoeira e performances teatrais que narram histórias e lendas africanas. “Os alunos estavam bastante empolgados, eu lembro de ver o brilho no olhar deles. Nós nos concentramos em uma sala de aula que transformamos em camarim e nos arrumamos, conversamos e fizemos aquecimento com tambor. Eles estavam bem concentrados, com a indumentária específica das danças africanas, respeitaram a cultura e se preocuparam em fazer uma boa apresentação para o público. As famílias e a equipe escolar deram um feedback muito positivo”, relembra o professor.

Além do professor Richard, que é parte do Ilú Obá de Min, o projeto também contou com apoio e consultoria de especialistas de outros blocos afrobrasileiros.

Além da apresentação, alguns estudantes também participaram de oficinas de arte, promovidas pela professora e fotógrafa Natália Tonda, em que puderam criar acessórios, cenografia, adereços e estandarte inspirados na cultura afro. Ela também é responsável pelo Fotoclube Vera Cruz, que nasceu da vontade dos alunos da 2ª e 3ª séries do Ensino Médio em terem pesquisas mais aprofundadas na arte da fotografia. Eles realizaram registros fotográficos de todo o processo de construção do bloco, dos ensaios à apresentação.

Os alunos da oficina de prototipagem, oferecida pela professora Marcella Fogliano Marini, também se envolveram com a temática dos blocos afro fazendo uma ocupação artística dos vidros das janelas dos quatro andares do prédio principal da unidade Baumann. “Nos inspiramos no Bloco Ilú Obá De Min, que tem Xangô como orixá. A partir de nossos estudos sobre este orixá, desenhamos uma identidade visual que pudesse homenagear uma parte dessa história contada na mitologia iorubá. Tudo foi feito pelos alunos: o planejamento, o design e a instalação”, conta a professora.

Para que tudo dialogasse bem e para que a festa junina acontecesse, membros do coletivo de dança da escola ficaram responsáveis pela produção, realizando encontros semanais para sua construção.

“A construção do Bloco percussivo e dançante do Vera Cruz, foi uma celebração da rica herança africana e afro-brasileira, destacando a importância da diversidade e da inclusão em nossa comunidade escolar. Como foi um processo de letramento racial, os alunos disseram que aprenderam muito através da arte”, avalia Richard.

Para saber mais

Livro | Mitologia dos orixás, de Reginaldo Prandi.

Livro | Lendas africanas dos orixás, de Pierre Fatumbi Verger.

Site | Página oficial do bloco Ile Aiyê.

Site | Página oficial do bloco Ilú Obá de Min.

Vídeo | Sobre os 50 anos do Ilú Obá, da Folha de S. Paulo.

Documentário | Sobre a maestra Beth Beli, do Uol.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.