Editorial

Transformar as pessoas, transformar as instituições

O pequeno Pedro, das turmas de Educação Infantil, assiste ao bailarino Benjamin Abras dançar o ijexá, um tradicional ritmo afro-brasileiro. A reação do menino é se juntar ao bailarino, imitar seus passos e tirar a camiseta para ficar com um figurino parecido ao do dançarino. Uma criança branca, com seu cabelo loiro e liso, admira o bailarino preto, de cabelos crespos. Quer ser como ele.

Há tanto sobre as relações raciais que pode ser observado nessa situação, narrada em uma das reportagens desta edição da revista Zum-Zum. Primeiro, porque o contato de Pedro com imagens de pessoas negras em seus materiais didáticos está acontecendo cedo e de forma positiva. Há algumas décadas, as imagens de pessoas negras quase sempre se restringiam aos livros do Ensino Fundamental e Médio, em que gravuras de pessoas escravizadas eram apresentadas em aulas de história, arte ou literatura. Em segundo lugar, Pedro também está aprendendo sobre masculinidade, reconhecendo a sensibilidade e o fazer artístico de um homem negro, o que contrasta com a forma como esse grupo ainda é retratado nos noticiários e nas obras de ficção.

A cena protagonizada por Pedro também demonstra alguns dos valores que precisam emergir durante o trabalho para as relações étnico-raciais. Nesta edição da Zum-Zum, refletimos sobre a gigantesca quantidade de ações que precisam ser colocadas em prática para que uma escola implemente a Lei 10.639, de 2003, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira. Embora conciso, o marco legal exige uma mobilização de toda a comunidade escolar para o enfrentamento do racismo dentro da instituição e a reeducação sobre as relações étnico-raciais. Na matéria de capa e em duas reportagens, abordamos a importância de envolver toda a comunidade na superação do racismo.

É animador conhecer o profundo engajamento das famílias nas ações da Frente Antirracista da Organização de Famílias da Escola Vera Cruz, com passeios e o clube de leitura. Também emociona o trabalho realizado pelo Grupo Makota Valdina, que estende a formação sobre as relações étnico-raciais para o grupo de funcionários técnico-administrativos do Vera. Além de ler a matéria, vale conferir o vídeo que mostra a visita que eles fizeram, mediados pelo Guia Negro, ao bairro paulistano da Liberdade, revelando a história negra do local.

A seção de “Práticas Pedagógicas” destaca, como em todas as edições, o trabalho realizado por educadores e estudantes de cada segmento. Na Dança, na Matemática, na Leitura, no estudo de Língua Inglesa e na prática da Capoeira, o foco está em povoar a sala de aula com referências africanas e afro-brasileiras. Ali também mostramos como alunos do 8º ano e os professores da Vila Ipojuca estão liderando as discussões sobre o tema.

Não poderíamos deixar de retratar também as profundas e desafiadoras conversas que a comunidade do Vera teve ao longo dos últimos meses sobre como lidar com casos de racismo. Estamos revisitando nossos protocolos, fruto de um debate intenso. Parte desses debates é citada também em nossa reportagem de capa.

Esperamos que, ao longo da sua leitura, você possa identificar nossos compromissos com a promoção de uma educação que busca reconstruir os termos da relação entre brancos e negros. Queremos formar alunos que não apenas respeitem as diferenças, mas que admirem intelectuais e artistas negros, reconheçam a centralidade dos descendentes da África para a formação do Brasil e se vejam como corresponsáveis por reconstruir as estruturas e instituições para acabar com os vieses racistas ainda tão presentes.

Boa leitura!

Conselho Editorial da revista Zum-Zum

Uma resposta

  1. Excelente editorial! Uma proposta muito expressiva e muito bem pensada. Parabéns a toda a equipe, à escola, aos funcionários, professores e alunos. Lindo o Pedro que nos abre perspectivas de uma nova convivência em sociedade.

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Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.