Cinema, livros e passeios impulsionam as famílias na discussão antirracista

Por Nairim Bernardo

Desde 2019, a Escola Vera Cruz conta com famílias engajadas na Frente Antirracista, vinculada à Organização de Famílias da Escola. Mais do que matricular seus filhos em uma escola que possui um currículo e projetos voltados para a diversidade, os participantes desse grupo têm como característica comum a vontade de desenvolver projetos em parceria com a comunidade escolar em prol da educação antirracista de crianças, adolescentes e adultos – o que está sendo feito por meio de diversas iniciativas.

“A necessidade de promovermos diversas ações na frente antirracista é, principalmente, para que haja uma formação racial continuada para as famílias brancas. Em eventos já realizados, vimos que o projeto antirracista realmente tem uma grande força para reunir as famílias do Vera Cruz, as pessoas têm interesse”, comenta Luciane Bussmann, que faz parte da Organização de Famílias desde 2017.

Angélica Sacramento é uma mulher negra e tem três filhas estudantes do Vera. Ela relembra que, quando estava procurando um colégio no qual as matricular já expressava sua preocupação com as temáticas de diversidade e educação antirracista. “Durante as visitas, eu fazia uma pergunta e os gestores só me respondiam que não tinham casos de racismo na escola. Quando cheguei ao Vera, vi que realmente é muito melhor se responsabilizar pelo problema e propor projetos do que ignorá-lo”, comenta ela.

Hoje, Angélica faz parte do Comitê da Diversidade Racial, cuja Frente Antirracista promove o projeto Passeios Afro Culturais, o Cine Famílias e o Grupo de Leitura Antirracista, bem como conversas formativas para adultos com especialistas, ações organizadas por familiares de alunos do Vera e que contam com o apoio da Direção da Escola. Abertas a todas as famílias, algumas também contam com a participação de professores e funcionários da escola.

É o caso do Grupo de Leitura Antirracista, que foi criado em 2023 por iniciativa de Ana Nassar e Alessandra Effori, mediadoras do grupo. A princípio, elas organizaram encontros em casas de pais de alunos, mas a pedido de Luciane Bussmann e da Direção, o grupo foi levado para dentro do ambiente escolar. Hoje, as discussões são bimestrais e reúnem cerca de 25 pessoas por encontro.

“Desde que meus filhos entraram no Vera, em 2022, eu tentei identificar oportunidades para me envolver com a escola. No ano passado, eu descobri que outro colégio tinha um grupo de leitura antirracista e vi nisso uma oportunidade das famílias começarem a se imbricarem mais nessa corresponsabilidade, que não é só da escola”, conta Ana.

O grupo já leu livros como O pacto da branquitude, de Cida Bento, O mundo no black power de Tayo, de Kiusam de Oliveira, O avesso da pele, de Jeferson Tenório, entre outros. Em um documento compartilhado e construído colaborativamente pelos participantes, há uma lista com outras 15 sugestões de leitura, incluindo obras de escritores indígenas.

Em dois momentos, coincidentemente, turmas da Escola estavam lendo os mesmos livros que eles iriam discutir: O perigo de uma história única, de Chimamanda Ngozi Adichie, e Marrom e amarelo, de Paulo Scott. Em ambos os casos, as professoras compartilharam o planejamento de suas aulas com a mediadora Ana Nassar, que acredita que as discussões propostas para as crianças são profundas e que é importante que as famílias, que vêm de outras gerações e formações, se interessem por acompanhá-las.

Já o grupo Passeios Afro Culturais realizou visitas mediadas com crianças, adolescentes e adutos nas seguintes exposições: “BB King: um mundo melhor em algum lugar” (Museus da Imagem e do Som – MIS), “África: diversidade e permanência”(Museu Afro Brasil), “Karingana: presença negra no livro para as infâncias” (Sesc Bom Retiro) e “Dos Brasis: arte e pensamento negro” (Sesc Belenzinho). Por sua vez, o Cine Famílias exibiu o documentário Carolina Maria de Jesus seguido de conversa com Vera Eunice, filha da escritora.

A organização do grupo segue uma estrutura horizontal. Alguns dos participantes mais engajados, entretanto, se posicionam como parte da governança, responsáveis por receber contato com o restante das famílias, estabelecer a interlocução com a Escola e cuidar de questões logísticas do grupo.

Angélica Sacramento conta quais são seus desejos para uma educação antirracista e defende que a participação das famílias é importante para que eles se concretizem. “Eu quero que, cada dia mais, as conversas sobre diversidade, preconceito e antirracismo ocupem a escola. Precisamos normalizar falar sobre isso para assim conseguirmos pensar em projetos e propormos mudanças efetivas. Como uma mãe negra, é claro que me preocupo bastante com isso, mas todos precisam estar envolvidos. O trabalho é coletivo.”

O mesmo é apontado por Ana Nassar, que indica que cada pessoa pode procurar um grupo com o qual se identifique ou, assim como ela, propor uma nova ação. “Em geral, é importante saber que ler livros não é suficiente para ser antirracista, mas é sim uma parte disso. Então, junto a outras ações, a leitura e discussão de livros é sim muito benéfica para dialogarmos com a realidade social”, diz.

Hoje, existe uma comunidade no Whatsapp com cerca de 800 pais ou responsáveis. Nessa comunidade, há vários grupos organizados de acordo com o tema de discussão. Todas as famílias do Vera podem participar em seus grupos de interesse, nos quais são feitas conversas, enviados avisos e convites para encontros e eventos.

Para participar das reuniões mensais, discussões virtuais e grupos de trabalho e receber convites e comunicações por email, registre-se aqui: opsveracruz@gmail.com.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.