A sambista serviu de fio condutor para aprendizagens em diversas áreas de conhecimento e inspirou um cortejo de Carnaval
Reportagem: Mariana Gonzalez
Quem nasce e cresce no Brasil sabe que o Carnaval é uma das manifestações culturais mais importantes do calendário. Mas, para além da festa, é uma fonte inesgotável de saberes, que se articulam profundamente com a formação do Brasil e a história da afro-brasilidade. No Vera, esses dois temas são centrais no trabalho em Ciências Humanas feito ao longo de todo o Ensino Fundamental e, por isso, a celebração é mais uma oportunidade de se aprofundar nesse estudo.
Já há alguns anos, o trabalho feito no início do ano se debruça sobre a celebração e sobre figuras marcantes envolvidas com o Carnaval para discutir conceitos de diferentes áreas de conhecimento, como Música, Arte e História. Em 2025, as turmas do 3º ao 5º ano elegeram a sambista Clementina de Jesus (1901-1987) como personalidade a ser estudada. Em anos anteriores, já ocuparam esse posto personalidades como Tia Ciata e Geraldo Filme. “São nomes pouco conhecidos, mas muito importantes para entender a origem do samba”, diz a professora de Música Betina Souza.
Parte central do trabalho foi compreender a história da sambista, conhecida por resgatar cantos negros tradicionais e popularizar o samba ao longo do século 20. A reflexão sobre Clementina permitiu que a turma discutisse em profundidade a formação histórica e cultural do país. Um dos temas discutidos, por exemplo, foi a relação entre o samba de Clementina e a bossa nova, que dominava o cenário nacional. Em um espaço central nas discussões, esteve a relação de Clementina com a negritude, o papel da população afro-brasileira no samba e no Carnaval, e o contexto histórico em que ela desenvolveu seu trabalho. “Além da riqueza musical, Clementina, que era neta de uma mulher escravizada, apresenta ao país uma forte identidade africana”, completa a professora.
Assim, os alunos estudaram os ritmos e a percussão do samba de Clementina, mas também influências históricas em sua obra, como os fatores políticos que impulsionam a bossa nova e um olhar muito americanizado para a música brasileira, a criminalização do samba e a chamada lei da vadiagem, que punia especialmente pessoas negras e pobres, bem como os reflexos desse cenário nos dias atuais. “Essas discussões formam pensamento crítico e, ao mesmo tempo, aproximam as crianças de figuras importantes da nossa história. Elas passaram a falar da Clementina como uma pessoa próxima, uma amiga, que está aqui convivendo com a gente”, conta Betina.
A professora também conta que a obra de Clementina se inseriu na vida dos alunos de tal forma que, em alguns dias, eles subiam e desciam para as salas de aula, antes e depois do intervalo, cantando suas músicas pelos corredores da escola. “Eles vão percebendo a importância da música, se familiarizando com outros ritmos, até que vira parte da formação cultural deles.”
Em março, os alunos se organizaram em um cortejo ao redor da escola – uma espécie de bloco de rua do Vera, com cada turma entoando um cântico e apresentando um estandarte em homenagem a Clementina. O cortejo terminou na Praça Professora Emília Barbosa Lima, em frente à escola, com uma festa para toda a comunidade escolar. No evento, alunos, professores e familiares celebraram na presença dos músicos Caçapava, que tocou com Clementina de Jesus na década de 1980, e Maurício Badé, fundador do Bloco Kazunji, que promoveu uma oficina de percussão com as crianças. “Apesar de ser uma festa, uma comemoração, trata-se de um evento que faz parte do currículo da escola, que envolve aprendizagens atitudinais e também de música, história, e cultura”, fala a coordenadora Débora Rana.
Veja, abaixo, um vídeo que resume as experiência do projeto: