Quais conhecimentos ensinamos sobre o continente africano?

Silvane Silva

Assessora, pesquisadora e professora sobre relações raciais na escola. Doutora em História Social, é professora do Instituto Vera Cruz.

Em 2022, a professora Lavínia Rocha, de Belo Horizonte, viralizou nas redes sociais devido à circulação de um vídeo no qual ela mostrava o conhecimento de seus estudantes de 5º ano antes e depois das aulas sobre o continente africano (clique aqui para ver o vídeo).

O vídeo mostra como, através de aulas bem planejadas, é possível desfazer os estereótipos, as ideias errôneas e as imagens negativas que os estudantes têm sobre a África e apropriá-los de uma outra versão, positiva e de resistência. Adepta das teorias de bell hooks sobre a importância da afetividade e do entusiasmo no processo educativo, Lavínia se destacou por suas práticas pedagógicas.

Esse acontecimento demonstrou, por um lado, o potencial que a revisão do currículo pode ter na construção de uma nova visão sobre o continente africano. Por outro lado, a comoção em torno do caso mostrou que práticas como a de Lavínia ainda são relativamente raras e como muitos educadores ainda não estão apropriados dos conteúdos e práticas necessários para o ensino de história da África.

Pouco depois, em 2024, outro acontecimento reforçou como o alcance do ensino de conteúdos sobre história e cultura africana e afro-brasileira ainda é pequeno. Naquele ano, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) apresentou como tema de redação “Desafios para a herança africana no Brasil”. Para elaborar seus textos, os estudantes precisavam demonstrar conhecimento sobre o reconhecimento e a valorização da influência da cultura africana na formação da identidade brasileira, e destacar os desafios enfrentados nesse processo.

A repercussão sobre o tema mostrou que grande parte dos estudantes não estavam praparados para escrever sobre esse assunto. Apenas 12 redações obtiveram nota máxima, em comparação às 60 redações do ano anterior, afirmando a necessidade de apropriação do tema nos currículos escolares de maneira mais presente e aprofundada.

Desse modo, acredito que seja mais que urgente avaliarmos o quantos nós, educadoras e educadores, conhecemos sobre o continente africano, especialmente sobre a África contemporânea. Dos 54 países do continente, quais são aqueles que mais influenciaram culturalmente na formação da cultura brasileira e com os quais temos mais relações nos dias atuais? Na imprensa brasileira, quais notícias chegam sobre o continente? O que sabemos sobre a política, a economia, a ciência e a cultura produzidas na África?

A literatura tem sido uma porta de entrada importante nos últimos anos. Além da publicação de diversos títulos de autores dos países africanos que escrevem em língua portuguesa, tem ocorrido uma série de traduções importantes. O clássico Descolonizando a mente: a política linguística na literatura africana, do queniano Ngugi Wa Thiong’o,  por exemplo, acaba de ser lançado no Brasil. Nele, o autor afirma que “A língua enquanto cultura é o banco de memória coletiva da experiência de um povo na história”.

Outra obra de um importante pensador contemporâneo é A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero, da nigeriana Oyèrónké Oyewùmí, que visa recuperar conceitos africanos que foram apagados pela experiência colonial e substituídos por conceituações baseadas no pensamento ocidental. A professora Claudia Miranda, da Unirio, autora do posfácio do livro de Oyewùmí, questiona como foi possível a demora de 24 anos para que ocorresse a tradução para o português de um livro clássico como esse. “Como não perguntarmos sobre as razões dessa invisibilização no campo da pesquisa em Ciências Sociais, em um país da magnitude do Brasil, quando recuperamos a presença afrodescendente?”.

Fica o convite para que possamos buscar fontes de informações e publicações com autoria de escritoras e escritores de diversos países do continente. Para que nossos conhecimentos ultrapassem a “África mítica” e tenham base sólida na África contemporânea e histórica.

Para saber mais

Livro | Descolonizando a mente: a política linguística na literatura africana, de Ngugi Wa Thiongó.

Livro | A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero, de Oyèrónké Oyewùmí.

Podcast | Episódio Conselho de classe, do Rádio Novelo Apresenta, com a participação da professora Lavínia Rocha.

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.