A comunidade toda em ação: como as formações chegam à equipe administrativa

por Mariana Gonzalez Régio

Em visita ao bairro da Liberdade, a equipe explorou os diversos pontos que mostram a história das pessoas negras do bairro, como a Capela dos Aflitos.

No último mês de maio, um grupo de funcionários da equipe administrativa do Vera trocou o endereço das unidades Alvilândia e Dona Elisa para se encontrar no centro de São Paulo e fazer um passeio guiado por pontos turísticos importantes para a história negra da cidade. No bairro da Liberdade, conhecido pela forte presença de imigrantes japoneses e de outros países do leste asiático, o grupo parou em frente à Capela dos Aflitos. Ali, os facilitadores da atividade contaram a história de Chaguinhas, líder de revoltas entre marinheiros no século 19 convertido em santo popular.

Em frente à Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, aprenderam como Luís Gama – mergulhado nos livros da biblioteca, mesmo sem ser aluno oficialmente – se converteu em um advogado autodidata e apoiou a libertação de centenas de escravizados.  “Foi emocionante. É muito bonito também as pessoas descobrindo pontos de resistência da cultura negra em São Paulo”, fala Fabiana Meirelles, coordenadora da Educação Infantil da unidade.

O passeio, promovido pela plataforma Guia Negro, faz parte da programação do Grupo Makota Valdina, uma iniciativa que reúne os funcionários administrativos do Vera Cruz para refletir sobre relações étnico-raciais. “Os integrantes do Grupo, muitas vezes, atravessam nossa cidade para chegar à escola, seu local de trabalho, e passam por diversos monumentos que têm histórias, mas não a conhecemos, porque o ponto de vista negro foi apagado da história de São Paulo. A caminhada com o Guia Negro é transformadora”, completa Fabiana (veja o vídeo abaixo).

O Grupo Makota Valdina nasceu em 2021, como parte das ações do projeto de educação antirracista do Vera, e foi idealizado com o papel de “promover encontros de troca e reflexão entre funcionários para a construção de um ambiente escolar antirracista e valorização de todas as identidades presentes na escola”, conta Kelly Cristina Dornelio, supervisora administrativa da Unidade Praça Emília e uma das idealizadoras do grupo. “A formação é essencial para qualquer mudança. Todas as conversas, todos os encontros, trazem uma reflexão, uma busca de mudança de postura. E, com isso, essas equipes ficam mais atentas para identificar uma situação de discriminação racista”, completa.

A promoção de formações que envolvam não só os professores, mas todos os profissionais da educação, foi uma das diretrizes dadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) para a implementação da lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas. No projeto de educação antirracista do Vera, ele se encaixa dentro das iniciativas para promover o letramento de toda a comunidade escolar, que envolve também alunos, professores e famílias.

Membros do grupo Makota Valdina participam de atividade promovida pela equipe da escola.

Em 2022, o grupo chegou a todas as unidades da Escola Vera Cruz. Atualmente, o subgrupo que envolve a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental é coordenado por 4 pessoas: as coordenadoras pedagógicas Fabiana Meirelles (G1 ao G4) e Juliana Costa (G5 ao 2º ano), e as supervisoras administrativas Carolina Pires (EI) e Rosângela Gerardi (G5 ao 2º ano).

Fabiana explica que, a partir das formações do Grupo, os profissionais seguem replicando os aprendizados na formação de toda a comunidade da Escola Vera Cruz: “A equipe administrativa da escola faz parte do corpo de educadores do Vera, então, estão inseridos no cotidiano da escola e têm presença fundamental no dia a dia dos nossos alunos”. 

Todo semestre, os membros do grupo participam de pelo menos duas grandes atividades, divididos em grupos menores – já visitaram o Museu Afro-Brasil, o Instituto Moreira Salles e, ainda neste mês, vão ao Sesc Pinheiros percorrer a exposição “Um defeito de cor”, inspirada no livro homônimo de Ana Maria Gonçalves (editora Record, 2006). “Conhecer e trabalhar com o grupo Makota Valdina tem sido fundamental e, ao mesmo tempo, provocador. Eu, como coordenadora branca, muitas vezes sou convidada a deslocar meus pensamentos nos encontros”, completa. 

Em 2024, o grupo elaborou estandartes para destacar personalidades negras do país.

No primeiro semestre deste ano, fizeram uma exposição de estandartes sobre personalidades negras do país, como Ruth de Souza, Milton Nascimento, Luiz Gama e Emicida, além do tour promovido pelo Guia Negro. “É uma maneira de ampliar as referências e imaginários acerca da realidade da produção histórica e cultural do nosso país”, fala a coordenadora Fabiana Meirelles. “Foi emocionante ouvir a história de Chaguinha diante da Capela dos Aflitos, e do Luís Gama em frente a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. É bonito também ver as pessoas descobrindo pontos de resistência da cultura negra em São Paulo”. 


Quem foi Makota Valdina?

Valdina de Oliveira Pinto nasceu na Salvador de 1943, e foi uma ativista, educadora e religiosa, que se tornou Makota Valdina na década de 1970, quando se converteu ao candomblé, se tornou responsável por aconselhar a mãe de santo e cuidar do terreiro de candomblé Tanuri Junsara, de nação Angola – o título “Makota”, portanto, refere-se ao cargo religioso. 

Makota Valdina lutava pela igualdade de direitos, mas especialmente contra a intolerância religiosa e pelo acesso de todos à educação. Nesta seara, deu aulas em escolas públicas, associações de moradores de bairros e até em sua própria casa, no Engenho Velho da Federação, bairro onde nasceu e cresceu. E, justamente para homenagear sua trajetória de dedicação à educação igualitária e antirracista, ela foi a inspiração para o nome do Grupo Makota Valdina, do Vera Cruz.

Também foi membro do Conselho Estadual de Cultura da Bahia e foi homenageada com diversos prêmios, entre eles o Troféu Ujamaa, do Grupo Cultural Olodum, e a Medalha Maria Quitéria, da Câmara Municipal de Salvador.  

Em 2013, Makota Valdina lançou o livro Meu caminhar, meu viver, em que conta a própria trajetória. “A história de vida de cada negro é parte de uma história coletiva que ainda está por ser verdadeiramente conhecida por muitos”, defendeu, na obra, poucos anos antes de morrer, em 2019, aos 75 anos. 

Luiz Lira

Luiz Lira morou em Pernambuco e lá iniciou o desenho. Ao vir para São Paulo, começou a fazer gravuras ainda criança, quando entrou no Instituto Acaia. Seus estudos tiveram relação com a capoeira, o desenho e a cerâmica; essas três vertentes estruturam o seu fazer artístico hoje. Posteriormente, ingressou no Instituto Criar e fez formação em Cinema. A partir daí, dedicou-se aos estudos para vestibulares em universidades, assim participou do Acaia Sagarana. Lira ingressou na Unicamp e atualmente cursa Artes Visuais.  A experiência universitária faz com que se aproxime de outros grupos de gravuras, como Ateliê Piratininga e Xilomóvel. Também tem contato com Ernesto Bonato, que é um grande artista e pessoa. Trabalha em ateliês compartilhados em Campinas (SP) e suas produções são semeadas em diversos espaços.