por Mariana Gonzalez Régio
Quando a orientadora Maria de los Angeles Rodriguez contou às turmas de 8º ano sobre como o projeto de educação antirracista do Vera se organizava, a existência do Grupo Guardião chamou a atenção dos jovens. “Me perguntaram se havia um grupo formado pelos alunos. Respondi que não e perguntei se eles gostariam de se organizar. Prontamente disseram que sim”, conta a orientadora.
Assim, começou-se a organizar a mobilização dos estudantes para formar um coletivo com a missão de acompanhar o projeto antirracista da Escola e elaborar propostas.
Quando as inscrições para o grupo foram abertas, uma surpresa: mais de 50 alunos inscritos, o que corresponde a praticamente metade dos matriculados no 8º ano. “Com essa quantidade de alunos, tive medo de não dar certo. Mas, para a minha surpresa, está funcionando muito bem”, fala a orientadora.
“Essa é uma turma muito participativa, que se engaja nas ações que a escola propõe e que eles mesmos propõem”, fala Daniel Helene, coordenador pedagógico do nível. Ele conta que foi nessa turma, por exemplo, que um grupo de alunas organizou uma campanha bem-sucedida de arrecadação de doações, quando estava no 6º ano, e abriu um coletivo feminista, no 8º ano.
“A escola se empenha na formação crítica e humanista dos alunos desde a mais tenra idade, para que eles se desenvolvam podendo questionar e tomar conflitos como objetos de reflexão. Essa turma é produto desse trabalho”, fala o coordenador.
A ideia da criação de um grupo guardião faz parte das propostas do Guia Metodológico da Coleção Educação e Relações Raciais, publicado pela Ação Educativa. O material é uma das referências estudadas e adaptadas pela equipe pedagógica do Vera desde o início do projeto de educação antirracista da escola. Com base nele, foi formado o Grupo Guardião com pais, educadores e funcionários do Vera, responsável, por exemplo, por conduzir a autoavaliação do projeto antirracista da escola (leia mais na reportagem de capa) e, agora, também surge o grupo formado pelos próprios estudantes.
Currículo e branquitude em discussão
Até agora, o Grupo Guardião se reuniu em três ocasiões – além da reunião inaugural, seus integrantes discutiram sobre o que entendem por racismo e qual é o papel da escola na luta antirracista. Entre as discussões levantadas, uma das principais questões foi: “Por ser uma escola antirracista, o Vera é uma escola livre de racismo?”.
A discussão acontece de maneira democrática. Todos os alunos têm a oportunidade de se expressar, um de cada vez, e discutir seus pontos de vista. Na conclusão da discussão, uma das estudantes anotou em seu caderno: “Não, o fato da escola ser antirracista não a torna livre de racismo. O racismo está enraizado na sociedade. O antirracismo na escola constrói pessoas antirracistas, combate o racismo, mas este está embrenhado na sociedade. A construção de uma sociedade antirracista levará anos”.
As reuniões acontecem cerca de uma vez ao mês, mas se depender dos próprios alunos, essa frequência vai aumentar para encontros quinzenais no segundo semestre.
Desde o princípio, o projeto e todos seus desdobramentos têm partido da demanda dos alunos: partiu deles, por exemplo, que o grupo abrace não só questões étnico-raciais, mas também outras formas de inclusão, como de pessoas com deficiência, e a mudança do nome do grupo – depois de assistirem a uma palestra da socióloga e educadora Ednéia Gonçalves, em maio, decidiram substituir o nome “Grupo Guardião da Diversidade” por “Grupo Guardião das Diferenças e da Equidade”.
“Começamos conversando sobre o que eles compreendem como racismo, se já presenciaram situações racistas e qual é o papel das escolas para mitigar a discriminação, mas tudo a partir de uma perspectiva deles, do que eles conhecem e do que não conhecem, sem tanto filtro”, explica a orientadora Maria.
O tema da branquitude também é presente, uma vez que o grupo é majoritariamente formado por alunos brancos. Para os jovens, o grupo é uma ferramenta importante para entender seu papel diante das desigualdades. O aluno Lucas Fellin, participante do grupo, disse em uma das reuniões que pode ser difícil acabar com o racismo porque, a partir dos aprendizados que tem na escola e no Grupo Guardião, entende que “a nossa sociedade foi moldada num sistema de escravidão de negros e indígenas, e por isso o racismo está tão entranhado”.
Mas, para a aluna Anita de Andrade Mansu, o projeto antirracista do Vera ajuda a “sair da bolha”: “A gente consegue ter contato com pessoas diferentes e, desde cedo, cultivar uma mentalidade mais receptiva para todos os tipos de pessoas”. Sua colega Lara Montemor, completa: “O projeto de educação antirracista [do Vera] mostra pra gente como a nossa riqueza está na diversidade”.