Resumo
Um amigo me avisa que terminou o romance que vinha escrevendo havia dois, três anos. Pergunta se eu gostaria de ler. Fico feliz por ele ter conseguido vencer o atual estado das coisas e avançado pelos caminhos da narrativa para, finalmente, conseguir dizer: está pronto, posso mostrar. Ao imaginar o rosto dele, com uma barba crescida que nunca vi ao vivo, me sinto diante de um espelho manchado e creio me ver, entre perplexa e assustada, olhando para todas as palavras que andam sendo escritas e, em número menor, para as que leio — quando consigo me concentrar. Presto atenção aos processos que permitiram que essas palavras viessem à tona e penso nas cigarras que rompem a casca na última fase da vida, deixando para trás um corpo antigo. Me vejo agora observando do alto, olhando para tudo o que consigo pensar, dizer e escrever, e tento deixar de lado as palavras de antes, como se elas pertencessem a um corpo velho.