Nasci dia seis de maio de 1966 na cidade de Bezerros – uma cidade pequena do interior de Pernambuco, atualmente com cerca de 60 mil habitantes. Vocês devem estar se perguntando quem sou eu. Meu nome completo é Maria Aparecida dos Santos, para os amigos Nezinha. Sou filha de Maria e José Correa dos Santos e a terceira de dez filhos.
Meu pai sempre sustentou nossa família cortando cana, por isso nunca tivemos uma casa fixa, frequentemente nos mudávamos para novos canaviais ao sul de Pernambuco. Nossa mãe trabalhava em casa, cuidando dos filhos – éramos seis meninas e quatro meninos – todos eram benevolentes e felizes com a vida, apesar de usarmos boa parte do nosso tempo para ajudar a família na produção de farinha de mandioca. Como toda criança, arrumávamos tempo também para brincar. Gostávamos de brincar de pega-pega, esconde-esconde, cabra-cega, mas uma das minhas preferidas era “cademia” – uma espécie de amarelinha.
A única coisa que não fiz na minha infância, que gostaria de ter feito, foi estudar. Naquela época era comum as crianças não irem à escola, pois ajudavam os pais no trabalho. Não havia lei que nos obrigasse e, como morávamos em sítios bem distantes da cidade, o mais importante era saber plantar e colher.
Nossos momentos felizes e marcantes da infância eram as vésperas das festas – como Festa Junina e Ano Novo −, quando íamos à cidade comprar tecidos para novas roupas e sapatos. Mesmo que a escolha fosse de nossos pais, meus olhos brilhavam de alegria com o presente que era conquistado com nosso próprio esforço, apenas uma ou, no máximo, duas vezes por ano. Fico até emocionada ao lembrar – éramos felizes com tão pouco!
Tudo corria bem, até o momento do pior episódio de minha vida. Aos meus oito anos, aconteceu uma tragédia insólita para toda a família, algo que não estava previsto. Nosso pai, conhecido por todos como Galego – por ter a pele branquinha e os cabelos cor de fogo –, adoeceu. Um dia, recebeu muito calor vindo do forno que produzia a farinha de mandioca e, ao tomar um banho frio, sofreu um choque térmico. Depois disso, foi tendo problemas graves de saúde e não resistiu. Toda vez que falo nesse assunto meus olhos inundam de tristeza.
Foram tempos difíceis aqueles… como a família dependia do trabalho de papai, tivemos que nos mudar para a cidade mais próxima e foi aí que consegui meu primeiro emprego, aos dez anos. Trabalhei como babá em uma casa de família. Ficava durante seis meses longe de casa, trabalhando duro em troca de acolhimento, e o pouco que ganhava enviava para ajudar minha mãe e irmãos. Visitava minha mãe poucas vezes no ano, e esses encontros duravam cerca de meia hora – como sentia saudade dela! Mas sabia que aquele sacrifício não era em vão!
Aos 14 anos, fiz algo que infelizmente recordo com grande arrependimento. Conheci um rapaz pelo qual me apaixonei, mas minha mãe não aprovava esse relacionamento. Como todo adolescente fui teimosa e segui meu coração, mas como poucos fugi de casa para testar a sorte. Passamos um mês em Caruaru, mas percebi que ele não era o homem ideal para ser meu companheiro. Resolvi voltar para casa e, para a minha surpresa, minha mãe – que era muito rígida – me recebeu de braços abertos. Apesar de sentir remorso até hoje, segui em frente!
Toda ação tem sua reação! Como fugi com este rapaz, na época, o Juizado de Menores queria nos obrigar a casar. Mas como sempre fui esperta… disse para o juiz: “o senhor me obriga a casar, mas meu pai me obrigou a viver”. Não nos casamos, mas tivemos uma filha que, infelizmente, faleceu aos 45 dias. Seis meses depois, engravidei de novo e tivemos Juliana que hoje tem 34 anos. Aos 19, me separei e vim para São Paulo. Me casei novamente aos 21, e tive mais duas filhas, Jessica e Natana.
Passados cinco anos, aconteceu uma tragédia mórbida para toda a família. Meu marido – que era segurança em um prédio comercial – foi assassinado por marginais que atiraram após ele tentar reagir a um assalto. Até hoje fico muito oprimida e não gosto de falar sobre esse acontecimento.
Depois que fiquei viúva, tive que me arranjar… Neste meio tempo, tive vários empregos, como cozinheira da empresa Semp Toshiba e faxineira de casas de família e escolas. Até que me casei de novo aos 26 anos e tive mais 1, 2, 3, 4, 5 filhos!!! – quatro meninos e mais uma menina – CHEGA!!!
A família cresceu e eu consegui realizar um grande sonho, comprar a minha casa – “meu castelo” –, e foi nessa época, que uma vizinha e grande amiga, a Mara, me convidou para trabalhar na escola Vera Cruz. Seria um emprego temporário, mas, ao final dessa experiência, tive a boa surpresa de ser contratada no dia primeiro de setembro. Estou aqui até hoje, já faz 8 anos.
Gosto muito de trabalhar aqui, principalmente quando as festas chegam; Carnaval e Festa Junina são as minhas comemorações preferidas. Mesmo todos trabalhando muito para prepará-las elas são muito animadas e divertidas!
A minha lembrança mais difícil até aqui foi quando precisei me afastar por uma semana para cuidar de meu filho. Apesar das dificuldades, todos da escola me apoiaram muito – administração, professores e até mesmo os alunos. Me recordo com carinho das palavras de conforto e abraços que recebi.
E é aqui no Vera que estou vivendo uma das melhores experiências e realizando um grande sonho. No início de 2019, recebi o convite da Ana Lúcia – responsável pela administração dessa unidade – para fazer a matrícula no curso de alfabetização de adultos – EJA do Ilha de Vera Cruz. Meu sonho era estudar, aprender alguma coisa, quando a gente não sabe ler não tem vida. Não sei como descrever a emoção de ter essa oportunidade! Mas é como se estivesse renascendo para uma nova fase de minha vida!
Não pretendo parar de estudar, ainda quero fazer faculdade, apesar de acharem que já não tenho idade para isso. Desde quando idade é limite para parar de aprender? Afinal, “sonhos não tem prazo de validade!”. Agora ninguém me segura!
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