Não sou paulista, nasci no Piauí. Meu nome é Leonardo Ferreira dos Santos, mas a maior parte das pessoas me chamam de Léo. Quem o escolheu foi a minha mãe, não sei o porquê desse nome, nunca tive curiosidade de perguntar. Tenho 56 anos e nasci em casa, na cidade de Marcos Parente. Vivíamos nas terras do meu pai, que era como se fosse uma fazenda, em que criávamos animais e plantávamos alimentos. Hoje em dia moro em São Paulo, na Túlio Ascarelli, bem pertinho do Vera – meu local de trabalho. Algumas pessoas dizem que fica na Vila Madalena e outras em Alto de Pinheiros.
Minha família não é tão pequena, ao contrário, meus pais tiveram 9 filhos — os sete primeiros foram homens, José, Antônio, Domingo, Luiz, Nazareno, Gilberto e eu, então veio uma mulher, Pedrina e o caçula, outro homem, Luzardo, todos com dois anos de diferença entre eles —, 29 netos e 33 bisnetos. Aqui em São Paulo moram minha esposa, meu filho Danilo e eu. Lá no Piauí somos praticamente uma comunidade, 69 pessoas, entre filhos, netos e bisnetos.
Vou contar mais sobre a fazenda em que vivi minha infância. Lá tinham vários tipos de animais: cachorro, carneiro, bode, ovelha, porco, gato, vaca, touro, boi, cavalo, jumento etc. Quem cuidava de lá era meu pai, que tratava da horta, do pasto e do gado, produzia arroz, milho, mandioca, feijão. E eu o ajudava como assistente, além dos meus irmãos. Nós vivíamos disso.
Quando pequeno sonhava em estudar arquitetura, engenharia civil ou direito, mas o desejo não deu certo nas três áreas, e segui a vida com outros empregos, diferentes do imaginado.
Em minha infância eu só assistia futebol, na televisão, jogo de qualquer time, o que importava era futebol. Sempre torci para o São Paulo Futebol Clube (SPFC), e ver os jogos continua sendo uma atividade frequente na minha vida, tanto que as minhas cores preferidas são vermelho, branco e preto por causa do time. E azul, porque gosto e uso bastante na minha vestimenta do dia a dia.
Desde pequeno tenho um grupo de amigos lá no Piauí, e quando vou para lá ver minha família aproveito para visitá-los. Uma das coisas que mais gostávamos de fazer juntos, além de brincar, jogar bola, caçar passarinho com baladeira, jogar pião e bola de gude, era almoçar — sempre uns nas casas dos outros— comida simples, como: arroz, feijão, bife, macarrão e outros alimentos caseiros. Mas nós não abríamos mão da sobremesa, a melhor parte! Podia ser qualquer coisa, comíamos tudo que era doce, com certeza, meu prato favorito!
Sempre tive uma ligação forte com os meus pais, adorava conversar com eles, sempre foram meus melhores amigos. Depois que morreram, não é a mesma coisa ir ao Piauí, sinto muita falta deles. Faz onze anos que minha mãe faleceu, com 82 anos, e meu pai, há quatro, com quase 91 anos. Continuo os amando da mesma forma. Minha mãe era fantástica, pois criar nove filhos não é fácil, ainda mais de forma tão saudável. A roça propicia isso: trabalha-se muito, no sol, cuidando da terra e da criação, mas permite que se estabeleçam relações de amizade com os vizinhos, a alimentação é mais natural, há mais liberdade, porque não se vive com medo como na cidade.
Somos uma família muito unida e amiga. Meu vínculo e relação com meus irmãos são muito fortes e ir para minha terra é importante, sempre viajo para lá nas minhas férias. Sou mais próximo do José, o mais velho, de Antônio, o segundo, Gilberto, que nasceu antes de mim e da minha irmã.
Pedrina se esforçou muito e hoje é uma pessoa bem importante na nossa cidade lá no Piauí, pois é secretária da Educação, cuidando do ensino e da formação das pessoas. Ela sempre foi uma pessoa admirável para mim. Casou-se com seu primeiro e único namorado. Tem duas filhas: uma formada em Enfermagem e outra finalizando Direito. Seu marido também trabalha para o governo e tem a minha admiração e respeito, considero como se fosse meu irmão. Gosto muito e me orgulho dela, tanto como do meu filho.
Aos quinze anos, paguei um mico enorme, pelo menos era isso que achava. Eu ainda estudava, minha escola tinha aula de religião e eu já era bom orador. Certo dia, o diretor da escola precisava de uma pessoa que realizasse a missa. Teve a ideia de um aluno fazer a função do padre. Adivinhe quem ele escolheu? Eu! Fiquei com muita timidez na hora, mas fiz o ritual, só não usei a batina – roupa adequada que os sacerdotes usam. Hoje, acho engraçado ter sido padre e vejo que foi uma grande responsabilidade e não algo para me envergonhar.
Aos 21 anos vim para São Paulo com o meu irmão Nazareno – meu 5º irmão –, o restante da família continuou morando no Piauí. Morávamos numa pensão com oito rapazes. Queria uma oportunidade de buscar um futuro melhor, voltar a estudar e trabalhar, por isso decidi mudar de cidade.
Na minha vida paulista tive alguns empregos, o mercado Sé – na área de frios e laticínios. A metalúrgica Prada – que fazia embalagens de zinco para diferentes produtos – e o Vera Cruz, meu emprego atual. Nunca fui demitido dos meus trabalhos, saí por oportunidades melhores.
Cheguei à escola indicado por um amigo que, na época, dividia casa comigo. Não estava procurando um emprego específico. Já tinha jeito para trabalhar com crianças e lidar com elas, também pensei que trabalhando em uma escola seria mais fácil voltar a estudar, para depois encontrar outro emprego. Não imaginava que ficaria por tanto tempo e gostando tanto desse serviço. Falta apenas um ano para me aposentar, pois estou há 31 anos aqui.
Há muitas tarefas que eu faço no Vera. Uma delas é ser porteiro, que recebe os alunos, pais ou pessoas que vão levar e buscar os estudantes. Outra, é fazer manutenção das áreas comuns da escola, ou seja, faço trabalhos gerais. Tocar o sino, organizar espaços das reuniões de pais, limpeza e outras tarefas. Algumas vezes, fiquei até uma hora da manhã na escola. O que eu mais gosto é conviver com todas as pessoas da escola.
Em São Paulo me casei e tive um filho, Danilo, o melhor e mais mágico momento da minha vida. Ele tem 26 anos e quando era pequeno estudou na Escola Vera Cruz, onde trabalho. Falar dele me enche de orgulho porque ele se esforçou muito. Estudou e formou-se em Relações Internacionais. Atualmente trabalha no Consulado Inglês e já conheceu mais de trinta países por conta de suas atividades profissionais.
Com meu filho vivi o pior momento da minha vida. Aos dois anos e meio ele teve uma gripe muito forte que evoluiu para uma pneumonia nos dois pulmões. Ele precisou ficar internado dezoito dias no hospital e eu precisei me dividir entre o trabalho e ajudar minha esposa que estava com ele. Éramos pais de “primeira viagem” e a situação nos deixou bastante desesperados.
Estava acostumado a ir e vir do Piauí de ônibus, 2.345 quilômetros em quase três dias. Uma grande aventura que Danilo e minha esposa insistiram para eu fazer foi viajar de avião. Aos 34 anos eles me convenceram porque sempre ia sozinho, enquanto eles voavam. Foi uma emoção muito forte entrar no avião, em Guarulhos, e pensar que em três horas estaria na capital do meu estado. Desde então, só vou de avião até Teresina e de carro ou ônibus até Marcos Parente.
As coisas mais marcantes e tristes que já me aconteceram foram as mortes dos meus irmãos, Nazareno e Antônio, principalmente porque não estavam doentes. Foi um grande sofrimento, sobretudo para meus pais que estavam vivos.
Em 1995, recebemos a notícia de que o corpo de Nazareno, meu irmão que morava em São Paulo, foi encontrado e estava no Instituto Médico Legal (IML). A esposa dele nos contou que foi passear em Pinheiros e depois voltaria pela Heitor Penteado para passar no açougue “Tennessee”. Ele morava perto da Cerro Corá e estava a pé. Foi achado nesse trajeto e até hoje não sabemos quem o assassinou e nem o porquê.
Há cinco anos, outra notícia trágica nos deixou perplexos. Meu outro irmão Antônio sofreu um acidente de moto lá na minha terra. Ele estava andando de moto quando uma ambulância em alta velocidade – 149 quilômetros por hora – o atropelou. Foi fatal! Ele estava num sentido e a ambulância em outro. Numa curva a ambulância foi ultrapassar o veículo que estava na frente e “pegou” ele. A ambulância nem conseguiu socorrê-lo porque ele morreu na hora. Ele estaria com 66 anos hoje.
Sinto saudades dos que se foram.
Sou uma pessoa muito rotineira. Vou ao trabalho e volto para casa. Faço diversas leituras: jornal, revista, livros… tudo o que me dê informação é interessante. Aos sábados, ouço música – de 4 a 5 horas – gosto muito de pop nacional e internacional. Aos domingos, ando de bike pela cidade e assisto futebol. Hoje em dia também vejo outros esportes, vôlei, basquete, atletismo, entre outros, só não gosto de lutas, porque acho agressivo. Gosto de me apresentar na quermesse “Feito por Nós” cantando, é um momento alegre do ano.
Com o suor do meu trabalho consegui algumas poucas coisas na minha terra. Tenho casas, terreno e carro. Me orgulho de cada conquista. Não sou rico, mas não passo necessidade. Tenho saúde, uma vida boa e tranquila.
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