Maurício: do Riachão do Jacuípe a São Paulo

Quando eu soube que vinha para São Paulo pela primeira vez, fiquei ansioso e animado para conhecer o estilo de vida deste local. Cheguei e me apaixonei pela cidade, pois era muito grande e diferente da minha. Fiquei olhando aquela vista incomparável: tinha casas bonitas, parques, variedade de veículos, estádios e clubes de futebol – nesta época eu tinha nove anos.

Desejei morar nesta cidade, mas minha mãe queria que eu ficasse em Riachão do Jacuípe – Bahia – até finalizar meus estudos. Não tive como contrariar pois, além de minha mãe, ela era minha professora. Às vezes isso era legal mas, na maioria, não, pois toda travessura que eu fazia, ela ficava sabendo no mesmo instante.

Um dia, na escola, durante a aula, estava com uma dúvida e acidentalmente falei “mãe” ao invés de “professora”. Olhei para o rosto dela e percebi que fiz besteira. Ela ficou muito brava e disse “Eu não sou sua mãe aqui! Aqui eu sou sua professora!”. Todos riram de mim, me senti tenso e humilhado. Que vergonha! Não pense que isso parou por aí, durante o intervalo vários garotos ficaram me irritando e mexendo no meu lanche. Pedi para pararem muitas vezes, mas não adiantava nada. Já estava tão irritado que me cansei, levantei – e num gesto descontrolado – “meti a porrada” nos moleques.

Apesar das coisas ruins também tiveram acontecimentos emocionantes, coisas boas que nos trazem alegria. Uma delas era a brincadeira da minha infância, pois a minha felicidade naquela época era brincar e isso me fazia uma criança muito mais criativa. Eu me divertia com bola de gude, pião, assistia e brincava com os personagens do Dragon Ball Z –  o Goku e o Freeza. Mas o que eu mais gostava de fazer no meu tempo livre era jogar futebol com os garotos da minha rua. E como muitas crianças, eu tinha o sonho de ser astronauta, pois eu queria ver as estrelas e descobrir os mistérios do espaço.

Os anos se passaram. Eu cresci. Terminei os estudos com 18 anos e finalmente realizei o meu sonho mais esperado: morar em São Paulo. Eu me preparei, fiz as malas. Ao me despedir da minha mãe, ela me deu um recado: “Você vai, mas daqui a um mês tenho certeza de que você irá voltar para cá”.

Cheguei em São Paulo, me adaptei à cidade, arrumei um emprego…um mês depois recebi a triste notícia que minha avó, minha maior companheira, uma pessoa muito especial e experiente, havia morrido. Como a minha mãe tinha previsto, voltei para Riachão do Jacuípe, mas por um motivo horrível, que nem ela esperava.  Meus olhos se inundaram de lágrimas, meu coração partiu ao meio e até hoje fico tremendamente abalado apenas ao lembrar disso.

Outro acontecimento pavoroso que marcou minha vida envolveu o meu melhor amigo, que morava na vizinhança, na Bahia. Tínhamos uma amizade muito saudável e forte, mas quando voltei a Riachão do Jacuípe, fiquei sabendo que ele passou a ter relações com companhias ruins, que o incentivaram a usar drogas e bebidas alcóolicas.

Então, um dia, este grupo teve a ideia de realizar um assalto e meu amigo estava tão alterado que acabou sendo convencido a participar desse crime. No momento da fuga, eles deram de cara com a polícia, mas ele não quis se entregar: iniciou um tiroteio e, então, meu amigo acabou levando um tiro e falecendo. Ao saber desta notícia, pensei que fosse mentira… comecei a imaginar que nunca mais iria ver aquela pessoa tão querida e especial para mim. Senti um buraco dentro de mim, parecia que o mundo ia desabar sobre minha cabeça, pois não sabia como continuar a minha vida sem meu amigo e minha avó.

 

Após essas tragédias, voltei para São Paulo e fui buscar uma ocupação para distrair a mente e tentar seguir a minha vida, pois já não aguentava mais conviver com aquela mágoa constante dentro de mim. Tive de procurar um emprego e acabei conseguindo um trabalho em uma empresa metalúrgica. Depois de um tempo lá, percebi que não era saudável para mim todo aquele calor, pó e cheiro. Não gostava daquele trabalho, queria me demitir – sabia que ia “custar caro” – mas para fazer o necessário, era a única opção.

Após alguns meses procurando emprego conheci um curso de vigilante, obrigatório para quem quer atuar neste setor. Comecei a frequentar as aulas, era um treino rígido. Eu tinha que acordar às 3h da manhã, mal conseguia me levantar –  eu saía cambaleando pela casa, “dormindo em pé” – para estar no local às 5:50h da manhã e cantar o hino nacional. Fiquei lá até concluir o curso.

Um amigo deste mesmo curso me indicou o cargo de segurança na escola Vera Cruz. Tinha muita expectativa que isso desse certo. Consegui a vaga e desde 2016 trabalho nesta escola, não só por dinheiro, mas por amor ao que faço: ajudar a quem precisa; conviver e conversar com crianças; construir laços de amizade com as pessoas.

Meu trabalho exige que eu esteja com o corpo em forma e saudável, por isso, quero emagrecer um pouco. Então, às vezes, para chegar ao meu trabalho, uso bicicleta – o percurso que faço é de 16 km entre a minha casa e a escola. Nos dias em que estou com mais preguiça ou acordo mais tarde, uso ônibus ou a minha moto.

Eu gosto muito de motos. Minha paixão é tão grande que eu tenho duas: uma Honda – 125 e a outra, Yamaha – 250. Uma delas uso para trabalhar, no dia a dia, e a outra para viagens longas, como ir para a Bahia todo o ano visitar os meus familiares – gasto aproximadamente 22 h para chegar ao meu destino.

Tenho uma companheira e com ela tive um filho, o Breno, que atualmente tem dois anos, e o Cauê que está prestes a nascer. Uma vez, eu e meu filho fomos passear no parque, coloquei-o para brincar e, então, deu seus primeiros passos. Fiquei orgulhoso e maravilhado por vê-lo andar pela primeira vez: guardo isso na memória, como um cartão postal grande e colorido.

Minha expectativa agora é segurar o Cauê em meus braços, ver os olhos dele se abrirem ao amanhecer e ensinar a ele tudo o que eu sei. Não aguento mais esperar a chegada do meu segundo filho, que se juntará à nossa família. Ele trará muita alegria para nós e, juntos, vamos conviver e aprender uns com os outros.

 

 

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