Sou um homem comum de trinta e sete anos. Tenho, como todos, histórias para contar. Algumas são únicas. Nem todas de que me lembro foram boas, mas certamente marcaram a minha vida.
Paulistano, nascido e criado na zona sul, na região de Santo Amaro, meu nome é Ademir Santana da Silva. Também me chamam de Adê ou Magrelo. Filho de Aurélio, segurança e jardineiro e de Elisabete, dona de casa. Sou caçula de uma grande família. Tenho cinco irmãs e um irmão. Por coincidência Cilene, a mais nova das meninas, nasceu no mesmo dia e mês que eu. Temos apenas um ano de diferença. E é por isso que nós somos bem mais próximos.
Morávamos em uma casa de três quartos no Grajaú, não havia perigo algum. Não tinha medo e costumava ficar sozinho em casa. Tudo que eu fazia era na rua. Naquela época passavam menos carros e mais bicicletas. O bairro era seguro – ou assim me parecia. Nossos pais confiavam muito na gente. Conheciam todos nossos amigos, que eram nossos vizinhos. Hoje já não é mais o mesmo.
Meu desejo quando criança era ser bombeiro ou policial. Talvez porque umas das minhas brincadeiras prediletas fosse polícia e ladrão. Como todas as crianças joguei bola, brinquei de pega-pega, bolinha de gude, empinei pipa, andei de bicicleta e joguei vôlei. Isso acontecia sempre com os meus vizinhos, amigos e irmãos. Toda criança se machuca e eu não fui exceção: minhas pernas e mãos viviam raladas.
Nunca deixei de gostar de arroz doce e massa, principalmente do macarrão com frango que minha mãe preparava aos domingos. Até hoje vou à casa dela comer esse prato – guardo isso como um “grande cartão postal colorido” – que me leva de volta para o passado.
A relação que tenho com meus pais sempre foi de bastante carinho e respeito. Durante um bom período da nossa infância quase não víamos nosso pai, apenas nos finais de semana quando ele nos compensava com passeios ao parque, bicicleta e pipa. Eram momentos deliciosos que jamais me esquecerei. Sabíamos do sacrifício que fazia por nós. Todos ajudavam nas tarefas de casa – “sujou, limpou” – minhas irmãs, no geral, faziam mais.
Nunca fui santo, era um “diabinho em pessoa”: era brigão, batia, estapeava, jogava bombinha nos vizinhos que não devolviam nossa bola, tocava campainha à noite nas casas, chutava a bola no portão dos vizinhos. Era corajoso, talvez teimoso. Não sei se tudo que fazia era traquinagem mas eu era muito danado – danado até demais. Mesmo assim, meus irmãos apanharam bem mais que eu. Eu ficava só de castigo.
Uma de minhas grandes lembranças foi quando estava batendo uma bolinha no campo molhado e eis que de repente desloquei a rótula do joelho. “Que desgraça caiu sobre mim”! Deveria ter catorze ou dezesseis anos. Coloquei o gesso para ficar um bom tempo. Depois de um mês retirei, por pura teimosia. Graças ao meu pai, tive o joelho no lugar.
Nessa mesma época também comecei a me interessar por um assunto bem comum à adolescência: namoradas. Passei a gastar o tempo conversando na rua, indo ao Habib’s, comendo pizza. Tinha a matinê nos domingos. Depois veio as baladas. Lá dentro havia todo tipo de gente: o arrumadinho, o roqueiro, o clubber, punk – dava muita confusão – vivia acontecendo briga.
A música sempre me acompanhou: uma verdadeira paixão. Comecei ouvindo samba, depois tentei entrar em um grupo de pagode, mas não deu certo. Pelo menos aprendi a tocar tam-tam e cavaco, embora machucasse os dedos. Então passei para música eletrônica, um tipo de “Batidão”.
Teve uma vez que fiz uma coisa estapafúrdia: sai escondido de casa com os amigos e fomos para Moema. Pegamos um ônibus, passamos em baixo da catraca para não pagar a passagem. Ficamos um tempo por lá e voltamos. Bem típico. Fomos com a cara, coragem, estupidez.
Carros e velocidade: combinação perfeita… para dar errado! Certa vez participei de um racha na avenida Robert Kennedy : o carro bateu e por sorte ninguém se machucou. Também teve a história do Jeep. Foi assim que aconteceu: meu amigo e eu resolvemos descer uma ladeira a milhão , com a capota aberta para nos exibirmos para as meninas. Resultado: ele capotou. Todos se machucaram menos eu. Terminamos a noite na delegacia com um pai responsável tendo de ir buscar os menores de idade. Foi um conjunto de desgraças em um só dia!
Minha primeira viagem sozinho: destino final – Praia Grande, foi um batidão ida e volta. Tinha dezoito anos. Fomos seis pessoas dentro de um “Golzinho”.
O tempo passou, a vida correu, parei com as traquinagens. Comecei a trabalhar como office boy aos 17 anos. Com a dispensa do alistamento militar, fiquei indo ao Fórum até os 19. Com meu primeiro salário fui ao shopping e gastei tudo em roupa. Já o segundo foi diferente: tive de pagar a conta de luz. “Isso se chama responsabilidade” – disse meu pai. Depois mudei de emprego: uma empresa que fazia chaveiros – aqueles de brindes. Fui auxiliar de pedreiro, trabalhei na Bayer. Também fui “controlador de acesso” – tipo porteiro. Ter essa função não é fácil, todo mundo quer mandar em você. Trabalho na escola Vera Cruz há nove anos e também trabalho na escola de música, lá sou um “faz tudo”.
Mas nem todas as coisas de que me recordo foram boas ou gostosas. Meu pai ficou cego – glaucoma. Desistiu de viver, entrou em depressão. Chegou até a delirar, travou a coluna. Caiu duas ou três vezes no hospital. Não queria mais comer. Morreu de falência múltipla dos órgãos. Barbaridade! Nem gosto de me lembrar. Foi um acontecimento memorável e triste para nós. Meus olhos se inundaram de lágrimas e minha alma de solidão.
Não deixei a peteca cair. Superei. Casei com a melhor amiga da minha irmã. Eu a conheci melhor no dia do casamento de Cilene. Que coisa romântica e empolgante! Adriana e eu estamos juntos e temos uma filha de cinco anos, Marcela – o motivo de minha alegria. Minha preocupação é que nada falte a minha família quero ver minha filha crescer e que seja do bem. Desejo que minha família fique unida e todos prosperem.
Aprendi com a vida que nós temos que ser pessoas boas e respeitar os mais velhos – não discutir. Um conselho que deixo a vocês: obedeçam aos seus pais e façam por merecer, não basta pedir para ter. Sonho com menos violência e mais respeito. Poderia terminar contando outras histórias. Acho que já compartilhei muitos infinitos.
Deixe seus comentários