Em 1962 meus pais nomearam-me de Denise V. C. Geretto, em uma “megalópole caótica” chamada São Paulo. Cresci com uma irmã e um irmão mais velhos e uma irmã mais nova. Vou relatar algumas memórias soterradas há muito tempo e outras nem tanto.
Me lembro como se fosse ontem de um acontecimento inesperado que ocorreu quando eu tinha quatro anos, na época do Carnaval. Nesse dia, fomos na matinê do clube Pinheiros. Naquela época era comum as famílias levarem seus filhos –no período vespertino- aos clubes da cidade para os bailes de Carnaval infantis. Estávamos dançando muito alegres quando ouvimos um barulho próximo à nossa mesa. Vimos uma garrafa de vidro quebrada em pedaços pontiagudos no chão sob os nossos pés. Eu estava descalça, pois vestia uma elegante fantasia de havaiana. Meus pais ficaram muito aflitos com receio de que me machucasse. Cautelosamente me colocaram sobre a mesa para evitar um dano maior -que pisasse no chão repleto de cacos de vidro. Como se nada tivesse acontecido continuei a dançar muito animada -feliz da vida- só que dessa vez em cima da mesa. Lá passamos uma tarde maravilhosa nos divertindo.
No dia seguinte, acordamos, tomamos café da manhã e meus pais habituados a ler jornal foram buscá-lo na varanda. Depois de folhear algumas páginas, uma manchete na seção “entretenimento” chamou-lhes atenção. Me viram em uma foto no jornal dançando em cima da mesa no Carnaval do clube!!! Ficaram boquiabertos, surpresos e atarantados com a filha de quatro anos aparecer como uma animada foliã do Carnaval daquele dia. Me mostraram emocionados e interessei-me em vê-la. Gostei de me ver, mas na época não entendi bem porque tanta euforia por uma simples fotografia! Anos depois vim a compreender a importância daquela foto para a família, que não a esquece depois de tantos anos.
Outro episódio marcante e um pouco aborrecedor da minha infância aconteceu quando eu tinha por volta de oito anos. Estudava no Colégio Sion, uma escola que na época era apenas para meninas. Estava no 3º ano e tinha uma professora que achava muito, muito brava e rígida que me assustava e me intimidava a ponto de eu não ter coragem quase nunca de perguntar algo para ela. Certo dia, quando estava na sala de aula no meio de uma atividade me deu vontade de usar o banheiro, mas não me encorajei o bastante para pedir a ela, com medo de levar bronca. Estava arrepiada da cabeça aos pés. Fiquei segurando por muito tempo, mas não deu muito certo…vocês já devem imaginar o que aconteceu. De repente senti um alívio e um líquido quente escorreu pelas minhas pernas. Foi um horror! A professora percebeu que eu estava incomodada e me perguntou o que havia acontecido. Contei a ela e indignada me questionou: “Por que você não me pediu para ir ao banheiro?” Respondi: “Tive medo que você ficasse brava” A professora pareceu desapontada e eu que estava muito envergonhada, dei uma risadinha e fiquei aliviada com a reação dela e de minhas colegas que foram bastante compreensivas comigo. Mas teria sido ainda mais vergonhoso se em minha classe tivessem meninos!
Como já contei episódios da minha infância, agora vou compartilhar um fato inesquecível da minha adolescência. Quando estava na mesma escola no Ensino Médio – antigo Colegial – acontecia um campeonato de dança todos os anos e que eu sempre adorava participar. No 2º Colegial dancei com meus colegas vestidos de marinheiro ao som da música da Marinha norte-americana. Dessa vez, no nosso grupo tivemos a sorte de ter uma colega bailarina que criava ótimas coreografias. Demos nosso máximo para vencer essa competição. Quando estávamos dançando percebemos que o público se animou bastante e no final aplaudiram demonstrando enorme deleite. Outros grupos também se apresentaram e foram igualmente aplaudidos. Ansiosos e tensos para saber o resultado, fomos aguardar o grande momento da premiação. Para nossa surpresa…ganhamos a competição!!! Nos sentimos gloriosos e, desde então, não me esqueço da alegria daquele dia!
Ainda na adolescência, aos 17 anos tinha que decidir o futuro de minha carreira. A primeira escolha foi ser designer gráfica. Entrei numa faculdade de desenho industrial no período noturno. Porém, durante o dia, queria me ocupar com alguma atividade. Havia uma pequena escola infantil chamada “Cambalhota” em frente à faculdade. Fui ver se havia uma vaga para ser funcionária da escola e me ofereceram a responsabilidade de ser professora auxiliar. Perguntei à diretora se mesmo sem diploma eu poderia ser professora e ela me respondeu positivamente. Com o tempo acabei me apaixonando por essa profissão e descobrindo minha verdadeira vocação. Gostei tanto de educar crianças que abandonei a faculdade de designer e fiz o magistério. Depois de alguns anos, mudei para outra escola chamada “Pequeno Príncipe” – que não existe mais. Acabei voltando para a escola que estudei, o Sion, só que agora não para aprender, mas sim para ensinar. Lá trabalhei durante doze anos. Quando decidi sair desse Colégio, vim trabalhar no Vera Cruz, que é uma escola diferente da primeira porque não é religiosa e é conhecida por ter métodos de ensino diferentes. E ali começou minha história como professora do Vera Cruz onde estou até hoje. Fazem 20 anos que traço minha jornada aqui, trabalhando sempre no 3º ano para meu grande deleite. Vivi durante esse tempo muitas experiências boas com meus alunos e colegas de trabalho. Recebo diariamente carinho dos alunos, adoro os seus abraços, vejo-os aprender e crescer a cada ano, aprendi muito na sala de aula e nas reuniões da escola, fiz amigos que levo para sempre comigo…Mas nem tudo na vida são flores…No ano passado, em 2016, vivi com minha classe do 3º ano B uma experiência muito impactante na minha vida pessoal e profissional.
Certo dia, estava na minha casa corrigindo o TP dos alunos quando o telefone tocou. Era a orientadora do 3º ano da escola. Estranhei, pois era muito raro ligarem nesse horário. Sua voz estava trêmula e aparentemente desesperada. Pediu para que eu comparecesse à escola para uma reunião de emergência. Fui bastante preocupada e afobada. Quando cheguei lá, Sônia, a orientadora, estava muito nervosa e ela me contou que infelizmente uma de minhas queridas alunas, a Manuela, havia falecido naquela noite. Suas palavras caíram como fagulhas de brasas nos meus olhos e parecia que meu coração parou de bater por alguns segundos…Meus olhos se encheram d’água e meu coração se inundou de tristeza… Não sabíamos como lidar com essa trágica notícia, mas toda a direção da escola passou o dia discutindo o caso para conduzir da melhor forma para todos. Nos dias que se seguiram houve muitas homenagens a ela como um minuto de silêncio com todos os alunos fazendo um enorme círculo em volta da quadra. Na sala de aula, o que fazer com sua casinha, seu espaço? Decidimos em reunião que tiraríamos seu material de sua “casinha”, colocaríamos um bonsai e bilhetes de todos os alunos da sala para preenchê-la. E assim foi e assim aconteceu… Dias depois, eu junto com os alunos, fizemos pulseiras de miçangas que era algo que ela adorava fazer. Nunca esquecerei desses momentos de profunda tristeza na minha carreira…
Mas como todos sabem minha vida não se resume apenas à escola e nem só sobre mim. Tenho duas maravilhosas filhas, Natália, que tem 27 anos e Vitória, que tem 24. Vou contar brevemente alguns acontecimentos marcantes na vida de nossa família. Como muitas crianças, Vitória nos deu muitos sustos. Machucou-se mais de uma vez, mas como poucas foi atacada por um pônei num passeio da escola. Como muitas, a perdemos no clube quando bem pequena, e como poucas, foi encontrada por uma moça dentro da piscina. Apesar destes acontecimentos um pouco trágicos, tudo terminou bem e Vitória hoje é uma jovem inteligente e saudável.
Mudando de filha…Natália não se envolveu em tantos acidentes. Nos preocupou quando tentou entrar na faculdade de arquitetura e não conseguiu passar da primeira vez. Sua avó estava doente, dormindo em seu quarto e ocupando seu cantinho de estudo. Mas persistiu, esforçou-se e alcançou seu objetivo: foi aprovada na USP, uma das faculdades mais disputadas do Brasil. Senti um orgulho imenso de minha filha que amo tanto.
Acabou-se o que era doce, toda história tem um fim, mas a minha ainda não! Essas foram as minhas “super,hiper,ultra,mega,máster,blaster,ciber,plus” memórias mais marcantes até aqui. Espero ter muitas outras para contar e vivenciar que… “nunca, never, jamais de la vie”* vão ser iguais a de outro alguém.
*Never é uma palavra inglesa; Jamais de la vie, uma expressão francesa. Ambas significam “nunca”, “jamais”. Mas a expressão francesa é mais exagerada.
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