Não nasci em São Paulo, sou piauiense de Tingui que hoje se chama Marcos Parente. É uma pequena cidade no nordeste do Piauí. Em 1966, eu Alzenira Ramos dos Santos e Silva, mais conhecida como Zê, nasci.
Na minha família há cinco meninas e cinco meninos. Os homens nasceram primeiro. Minha mãe na sexta gravidez estava na espera de uma garota e para a surpresa de todos ela nasceu: Eva, acompanhada de Adão que infelizmente faleceu – pena que eu não pude conhecê-lo. Foi a partir daí que minha mãe deu à luz somente a meninas.
Sempre tive minha avó como exemplo. Fui morar com minha “segunda mãe” por volta dos 10 anos. Foi fácil pois a casa dela era na mesma rua dos meus pais.
Durante anos e anos meu passatempo favorito era brincar com bonecas de pano, feitas por minha avó e minha tia. No meu bairro todos viviam praticamente juntos. As casas, nossos “brincadouros”, ficavam com os portões abertos e os animais de estimação podiam sair a hora que quisessem e voltavam quase sempre no final do dia. Uma vez o meu cachorro não voltou. No Piauí a gente tinha que tomar muito menos cuidado com os animais do que aqui em São Paulo.
Adorei a impressão de começar a estudar, pois a primeira escola é muito importante para toda e qualquer criança, e eu não fui exceção tanto que tinha o sonho de ser professora. Uma das quais nunca me esqueci, foi a Ivone, que dava aula de Ciências, minha matéria predileta. Eu poderia ter aproveitado mais para meu sonho ter se tornado realidade, porém o trabalho na roça também me encantava bastante, até mais do que a aprendizagem escolar. Criança acha que não aprende nada, mas quando cresce valoriza cada momento. O que nós não sabíamos naquela época é que estudar fosse tão importante para a vida.
Ainda me lembro de um episódio que aconteceu em casa quando fui desobediente. Não era uma menina levada, porém uma vez desafiei minha mãe: uma vizinha chegou pedindo uma xícara de óleo. Mamãe falou a ela que já tinha acabado e a contrariei. Insisti várias vezes que tinha. E ter até tinha, mas não uma quantidade que desse para dividir. Assim que a mulher partiu, levei uma baita surra. Sofri como uma danada. Teimar na frente de um estranho era inaceitável. Para os adultos, estava fora de cogitação, coisa totalmente “ilegal” dentro do nosso código de boas maneiras.
Talvez esse tenha sido o motivo de minha adolescência ter sido tão regrada – não costumava sair e nem me recusava a seguir as ordens da família. Aprendi a ceder. Lá em casa “não era não”.
Minha primeira paquera – era assim que nós chamávamos – foi aos 18 anos com o Joaquim. Essa foi a primeira vez que o romance floresceu em mim. A vida seguiu e fui conhecendo outras pessoas, entre elas Jorge – mal sabia eu que ele se tornaria meu futuro marido.
Ao encontrá-lo senti uma sensação absolutamente indescritível. Por outro lado, minha família não apoiava nosso relacionamento porque ele era mais velho e tinha problemas com a bebida: não conseguia maneirar. Mesmo assim persisti e levei a paixão adiante.
O tempo passou, nos casamos e viemos para São Paulo tentar uma vida nova. Como toda despedida houve abraços, beijos e lágrimas. Chegamos. Nossa primeira hospedagem creio não ter sido a melhor. Fomos morar em uma casa junto com os primos de Jorge. Essa não foi uma experiência agradável, tanto que tive de pressionar meu marido para sairmos de lá.
Tempos depois o momento mais emocionante e esperado de minha vida aconteceu: o nascimento da Júlia – o presente que Deus me deu – começava ali um novo capítulo de minha história…
Também tive experiências que me marcaram muito. Nem todas as emoções que me lembro foram tão boas e gostosas. Algumas foram muito ruins e me abalaram, como a morte de minha avó quando eu tinha aproximadamente 20 anos. Também houve o falecimento de outros familiares, que eu amava muito: tios… primos… Para alguns isso pode causar espanto – coisa difícil de compreender e aceitar, mas entendi que isso acontece com todos. A morte faz parte da vida. Temos de lidar com isso. Com o tempo aprendi a superar o sentimento de não ter um parente por perto.
Entretanto nem tudo foram espinhos. Um primo me indicou para trabalhar na escola Vera Cruz. Consegui o emprego, onde estou até hoje. Comecei na limpeza e agora atendo os alunos que precisam de cuidados médicos.
O tempo foi deixando várias marcas e, como acontece com muitos de nós, começaram a surgir alguns problemas de saúde, nada muito grave: em mim, apareceram as dores na coluna e Jorge ficou diabético. O amor já curou meu marido uma vez, então agora o que temos de fazer é acreditar na família que construímos com tanto esforço e carinho. Mesmo com estas dificuldades, continuo trabalhando bem, seguindo ainda com sonhos e planos. O jeito é nunca desanimar.
Tenho a sorte de todo ano, nas férias, conseguir visitar meus parentes no Piauí e matar um pouco das saudades. Por isso, uma das minhas intenções é me mudar de vez para Marcos Parente e reatar meus laços com amigos e familiares, com quem brincava e brigava quando era menina. Isso só poderá acontecer quando minha filha terminar o ensino médio – falta bem pouco para ela se formar.
Outra possibilidade é montar meu próprio negócio, um salão de beleza, pois adoro cuidar de cabelos. Hoje em dia minha paixão é cozinhar.
Eu poderia terminar contando sobre os alunos que me procuram lá na salinha de atendimento. O cuidado que é preciso ter com eles, ouvir a queixa, tentar acalmar, tudo isso é muito especial. Acho que todos gostam de receber carinho e atenção. É isso que nos torna únicos, especiais. Esse trabalho me escolheu. E eu aceitei.
E não é assim que minha história acaba…
Essa também seria uma história muito boa para ser contada, mas posso deixar que cada um imagine como ela é e como vai terminar!
2 Comentários
luana
1 de fevereiro de 2018em 12:22Eu achei este texto impressionante, ficou muito bom! a história da zê é muito linda, forte, e cheia de aventuras eu AMEI!
LUISA
7 de março de 2018em 00:21Lindo até rolou uma lagrimazinha