“Levei um baita frango, um peru enorme”. Entre tantas situações contadas por Eusébio Ignacio, essa é uma que poderia ser considerada por muitos goleiros, um constrangimento e tanto. Já para outros, com senso de humor como o dele, um acontecimento cotidiano, relembrado de forma hilária.
Tempos difíceis foram vividos durante o período da Ditadura Militar na Argentina. Foi no meio dessa algazarra que Ignacio nasceu, em fevereiro de 1977. Eusébio Oscar, jornalista, e Marta Graciela, dona de casa, tiveram muita coragem de ter dois filhos nesta época. Infelizmente, Ignacio, o primogênito, nasceu com problema pulmonar. Felizmente, foi isso que o incentivou a praticar esportes, contando sempre com o apoio da família. Maria Emília, a temporã, nasceu sete anos mais tarde.
Desde pequeno não conseguia ficar parado: parecia ter “formiguinhas” pelo corpo. Descobriu isso brincando nas ruas do bairro Almagro, em Buenos Aires. Praticava todo tipo de esportes todos os dias – apesar da família ser “perna de pau”.
Na escola prestava muita atenção nas aulas. E quando chegava em casa fazia a lição às pressas para sair na rua e se divertir. Guarda isso na memória, como uma colorida bola de handebol.
Era um garoto muito levado e aprontava várias travessuras. Seu alvo predileto era o vizinho, um velho ranzinza, que não devolvia as bolas mal miradas que costumavam cair em seu quintal. Só as conseguia de volta se o filho dele estivesse em casa. Uma traquinagem muito ousada e extravagante que fez com o velho, começou quando ele e seus amigos perceberam que o carro estava fora da garagem. Aproveitaram a oportunidade para colocar vários chicletes mascados na maçaneta. No momento em que foi abrir a porta, o rabugento ficou com a mão “chicletada”. Ignacio nunca se esqueceu da face espantada e abobada do vizinho.
Passados alguns anos, Ignacio começou a ter novos gostos. Descobriu que estar com uma garota poderia ser muito mais divertido do que uma bola de futebol. Mas ainda assim sua paixão pelo esporte persistia. Até os 16 anos praticou de rugby a beisebol, passando por ginástica olímpica, handebol, vôlei entre outros.
Aos 18 anos, para sua surpresa, o pai cortou a mesada: se quisesse ganhar dinheiro, teria de trabalhar. O emprego que arrumou foi como assistente de pedreiro na empreiteira de um amigo da família. Durante quase um ano, Ignacio pôde se exercitar e se tornar um homem mais forte graças à quantidade de peso carregada nas costas. Pelo menos se livrou do escritório, terno e gravata.
Mal sabia ele que dois dias depois de ter concluído a faculdade, uma manifestação brutal marcaria novamente a história da Argentina, resultando em 20 mortes. Sua carga de trabalho se reduziu apenas em uma hora semanal. Consequência de uma mega crise política e econômica que foi cruel demais com o povo.
Como muitos teve de deixar sua terra natal, migrando para o Brasil. Como poucos teve a indicação de um amigo que o acolheu no Rio de Janeiro e o incentivou a continuar seus estudos na USP. Com pouca bagagem (dez meias, dez cuecas e dez camisetas) e sabendo falar apenas “oi”, “tudo bem?” e “onde fica a USP?” chegou em São Paulo em agosto de 2002, disposto a fazer uma pós-graduação. Logo ao chegar foi convocado para a seleção de handebol da USP na posição de goleiro.
Jogadas inesquecíveis costumam fazer parte da vida de todos os atletas, sejam elas boas ou ruins. Assim também aconteceu com Ignacio. Uma delas ocorreu em Maringá, Paraná, na semifinal da Copa do Brasil. Faltavam apenas 9 minutos para o término da partida, quando ele se distraiu e essa “bobeada o levou a um baita frango, um peru enorme”. Sua impressão foi de ter conseguido agarrar a bola. Apesar de estar ganhando do time adversário por cinco gols de diferença, esse lance foi o responsável por fazer o time desabar: baixaram a guarda até o final da partida e isso os levou a derrota. Uma explosão de tristeza.
A defesa gloriosa aconteceu em um jogo do campeonato da USP na Universidade Luterana Brasileira. Eles estavam ganhando por um gol quando a defesa do seu time marcou um sete metros – pênalti no handebol. O meia esquerda do time adversário – um brutamonte apelidado de Cavalo – iria fazer a cobrança. Ignacio, nesse momento, pensou que seria quase impossível catar essa bomba, então fingiu uma câimbra com a intenção de atrair a atenção do batedor. A catimba argentina deu certo: o gigante caiu no golpe, arremessou a bola na suposta perna lesionada e ele defendeu, impressionando o público. Sujeito de sorte, esse Ignacio!
Muitas defesas se passaram… Ignacio sentia cada vez mais a saudade tomar conta de si: a família, seus amigos, o bairro Almagro… Entristeceu ao lembrar que abriu mão de tudo. Quase se arrependeu ao sentir na pele o peso de tomar decisões na vida. Morar em outro país certamente foi uma delas. Além disso, o dinheiro ficou curto para cobrir suas despesas. Aprendeu com isso o que era “xepa”: chegar ao final da feira para comprar produtos bem mais baratos. Graças a seu carisma seus 10 reais rendiam o suficiente para a semana.
Foi nesse período, extremamente complicado, que Ignacio conheceu sua futura esposa: a mulher perfeita. Ela o acolheu e o convenceu a permanecer aqui.
Atualmente faz o que gosta é professor de educação física, treinador de handebol mirim e pratica corrida. Futuramente pretende participar de uma maratona -é sério – e se por ventura tiver filho terá um nome composto: Eusébio mais um outro nome – e isso pode ser brincadeira – assim como ele, mantendo a tradição da família iniciada por gerações anteriores, uma linhagem de Eusébios sem previsão de término!
Ignacio, como todos nós, tem muitas faces que o fazem ser quem ele é na vida. Como atleta, acredita que “um bom esportista faz um esporte e não uma guerra.” Como imigrante, reconhece a importância sobre sua origem, pois não se esquecer “de onde você vem, quem você é”, garante que nada dará errado. Como professor, aprendeu que “você nasce com um talento e ajuda esse talento”, assim como “você nasce professor”. Finalmente, como sonhador, desde criança, esperava ser uma pessoa conhecida, mudar o mundo e ser feliz. O maior de seus sonhos era ser atleta e conseguiu, pois “nunca baixou a cabeça e nem desistiu”. Sempre foi um homem esperançoso.
E que humor! Quando ele conta os fatos, é impossível não sorrir. Estamos contando de um homem vivendo toda sua potência o tempo todo. Ignacio pode e deve se orgulhar muito do lugar onde está hoje, e de quando olha para trás. Ele vem de longe e tem muitas histórias que não se poderia imaginar.
12 Comentários
japs
21 de junho de 2016em 20:02tá tranquilo tá favoravel tá muito legal 🙂
JOAQUIM
27 de junho de 2016em 21:20Gostei muito quando ele falou que tinha levado um basta frango
Flora Tiemi Nonaka
27 de junho de 2016em 22:14Muito legal5F pena que ele nasceu numa época tão difícil
nicole
27 de junho de 2016em 22:205 F ,
Parabéns! O texto esta muito bom adorei a parte que vocês contam que ele nunca abaixou a cabeça, nunca desistiu do seus sonhos e por isso que esta aqui, fazendo o que ele goas.
Parabéns.
João Pedro
28 de junho de 2016em 00:11Seus comentários *
João Pedro
28 de junho de 2016em 00:13Achei engraçado a parte que ele e seus amigos colocaram chicletes na maçaneta ficou ótimo o texto parabéns
Beatriz Bittar
28 de junho de 2016em 13:09Parabéns! O texto ficou muito bom!
Alê Battaglia Dias
28 de junho de 2016em 15:24Eu adorei e achei surpriendente como ele foi persistente no trabalho
ale battaglia dias
28 de junho de 2016em 15:30eu achei muito legal e fiquei surpreso com sua persistencia no trabalho
MATIAS AVILA
29 de junho de 2016em 12:07fiquei curioso como viveu apenas gastando 10 reais por semana
gabrilea
4 de abril de 2018em 11:39eu adorei essa história 5-f parabéns ficou d+ fiquei impressionada com o lugar e a época que o Ignacio nasceu
gabrilea
4 de abril de 2018em 11:40eu adorei essa história 5-f parabéns ficou d+ fiquei impressionada com o lugar e a época que o Ignacio nasceu
encriveu