Histórias de ontem e hoje

Dora D’elia Almeida Alcântara Machado  

 

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É filósofo, pedagogo e tem 72 anos. Sabe de quem estamos tratando? Sobre o Fernando José de Almeida. É sua história de vida que será contada agora.

Fernando nasceu em Pirai, Rio de Janeiro, em sua casa. Nasceu com uma paralisia facial, no ano de 1943, no meio da segunda guerra mundial. Seu pai dizia que se casou só para não ir à guerra, porque antigamente em estado de Guerra quem estava casado era dispensado do alistamento militar.

A família dele era pequena: tinha apenas uma irmã quinze anos mais nova, chamada Cecilia. Entre eles dois a mãe, Dalvacir Rego Almeida, perdeu quatro filhos. Dalvacir era dona de casa e seu pai, Custodio José de Almeida, era contador da prefeitura.

Ele era muito apegado ao tio Manequinho, dentista que também criava canário de briga. Manequinho sempre viajava para outras cidades, atrás de canários. Uma vez quando estava voltando de viagem, com a sua família inteira, o carro capotou. Logo depois desse acontecimento ele gritou: “A dona Abóbora está bem?”. A mulher do Manequinho tinha esse apelido porque ela era meio gordinha e bem vermelha, por isso era chamada de Dona Abóbora. Todos os filhos responderam que ela estava bem. Logo em seguida ele foi ver como estavam os passarinhos que ele tinha comprado!  Ele também gostava muito de sua avó, Maria do Espirito Santo de Almeida.

Fernando tinha muitos amigos que fez na escola, na vizinhança e até ficou amigo dos amigos dos seus outros amigos. Ele tem um amigo de infância até hoje, o Danilo, seu parceiro de muitas histórias, risadas, brincadeiras…

Ele brincava de muita coisa na rua. Gostava de jogar bola no campinho que tinha em frente a sua casa, também de jogar bolinha de gude na calçada, ir ao cinema com os amigos.

Na escola até a 4ª série ele tirava tudo 10, então os padres – ele estudava em uma escola de jesuítas – acharam que ele era muito inteligente e o adiantaram de ano da 4ª série foi para a 6ª. Mas quando ele chegou na 6ª série os meninos eram muito mais inteligentes que ele, e nessa escola tinha aquilo de “ser o melhor aluno da sala”. Como ele tinha pulado de ano, às vezes ele ficava em último lugar, por conta de não ter aprendido o que os colegas aprenderam.

Quando pequeno queria uma profissão: ser maquinista da Estrada de Ferro, porque o trem atravessava a cidade levando materiais e pessoas para todos os lugares. Ele achava isso muito fascinante e talvez, pelo mesmo motivo, também tenha pensado depois em ser motorista de caminhão. Quando mais velho, não tanto assim, aos 12 anos, quis ser padre, porque em seu colégio os padres eram ótimos professores.

Durante toda sua infância Fernando colecionou uma porção de traquinagens e uma das mais marcantes que se recorda foi essa:

Um belo dia, não tão belo assim, teve uma “brilhante” ideia. Queria matar uma galinha, mas não de um jeito comum, ele quis inovar e matar a pobre galinha com uma ratoeira. Foi mais ou menos assim: ele colocou “milho ante milho” até chegar na ratoeira, e pôr fim colocou o último milho em cima da ratoeira. Só ficou de olho para ver quando a galinha ia acostar-se. Quando a galinha viu a trilha de milhos foi seguindo um por um. A galinha foi andando devagar, mas foi, e quando ela chegou no último milho, a ratoeira fechou no pescoço da coitada e ela morreu.

A casa de Fernando era uma casa muito comum com 3 quartos, 1 cozinha, 3 salas. O mais legal da casa inteira era a varanda, porque ao mesmo tempo que era uma varanda também era uma garagem. Enquanto o carro não estava lá tinha mesas e cadeiras e o Fernando ficava brincando ali, quando o carro chegava, dava umas buzinadas e todo mundo ia ajudar a tirar as coisas para o carro entrar.

Ele tinha também uma casa de praia em Araruama. Lá seu pai brincava com ele fazendo barcos de cocos vazios: pegavam- os e colocavam um galho e uma folha no centro. Também jogavam bola juntos na areia branquinha da praia!

Aos 15 anos, pela primeira vez veio desacompanhado, de trem, de Friburgo a São Paulo com autorização de viagem (é claro). Antigamente só a partir dos 18 anos os jovens ou crianças podiam viajar sem autorização de viagem, hoje em dia a partir dos 16 já pode.

Quando tinha 17 anos, isso era por volta de 1961, fez uma “super viagem”. Ele fazia parte de um grupo de 3 amigos e 1 padre, seu professor de latim daquela época. Fizeram uma viagem de mais ou menos 1 mês de duração, pela América Latina.

Naquela época eles tinham pouco dinheiro, então tiveram que fazer essa viagem não apenas de avião como também de ônibus, caminhão e trem, além do avião.

Começaram por Minas em uma cidade chamada Cordisburgo, justamente aonde João Guimarães Rosa, o autor do livro: Grande Sertão Veredas, nasceu (Fernando amava ler!). Ele já tinha lido o livro então a cada lugar que passavam Fernando percebia que as paisagens que via também estavam descritas no livro.

A cidade seguinte que eles foram visitar foi Brasília- que naquele tempo só tinha 3 anos de inaugurada. Tudo ainda estava em construção, todas as ruas eram feitas de um tipo de barro meio avermelhado. De lá eles foram para Araguaia, e essa viagem deve ter sido incrível, porque eles foram em um lugar diferente, que quase ninguém vai, e esse lugar era dentro do avião: eles foram na cabine do piloto!

Em seguida foram para Cuiabá, e lá eles tiveram a chance de dormir pela primeira vez em uma rede, era uma cabana meio redonda coberta de capim e lá dentro tinha um tronco central aonde cada um pendurava sua rede. Ainda em Mato Grosso foram para Corumbá, mas não ficaram muito tempo lá. De lá foram para Utiariti na carroceria de um caminhão, e nesse caminhão tinha um monte de sacos de arroz e feijão, além de outros mantimentos para os índios.

A viagem foi seguindo pela Bolívia, Argentina, Paraguai e Uruguai. E no final dessa viagem eles voltaram para o Brasil e acamparam com os Índios durante 15 dias. A aldeia era chamada de Utiariti. Nessa aldeia eles tomaram banho de cachoeira, viajaram com os índios aonde não tinha nem luz, nem pontes, nem cidades, nem nada!!!

E esses 15 dias foram os “últimos rastros” da viagem pela qual Fernando teve diferenciadas experiências que são muito difíceis de ter e esquecer.

Fernando sempre gostou muito de ajudar as pessoas, não só as que conhecia, mas todas, (digamos que o mundo inteiro). Foi justamente por isso que ele quis ser padre, porque ele achava que dessa forma ele iria incentivar as pessoas do mundo a estudar, e estudando as pessoas poderiam viajar e conhecer culturas diferentes.

Fernando quando mais velho continuou gostando de ajudar a sociedade. E ele acha que tem 2 jeitos “muito fortes” de fazer a diferença no mundo: o primeiro é acreditar e fazer uma sociedade mais justa, um lugar em que não exista Guerra ou fome. O segundo jeito é dar aulas, ensinando as coisas importantes.

A segunda opção foi a que ele quis seguir, de ser professor, e ele prosseguiu com essa “carreira” até hoje.

Fernando em 1966 veio para São Paulo, fazer um curso de Filosofia. Nesse tempo estudava como jesuíta. Em 1968 ele desistiu de ser padre para estudar Pedagogia e veio novamente para essa cidade, pelo estudo. E depois que veio em 1968, ficou até hoje.

Quando veio morar aqui, manteve só a relação com os parentes que estavam no Rio de Janeiro. Não manteve com os amigos, porque a maioria deles era daqui mesmo.

Hoje em dia é professor na Universidade Católica e também é coordenador da área internacional da Secretaria Municipal da Educação de S.P.

Faz o que gosta e o que sempre quis fazer e, segundo ele, é bem mais do que imaginava.

Fernando pode e deve se orgulhar muito do lugar onde está hoje, e de quando olha para trás. Porque ele vem de um lugar aqui perto, mas que tem muitas histórias incríveis, que ele conta e até hoje fica, (todos ficamos) fascinados com tudo isso que acontece a nossa volta, que a gente nem sabe, ou percebe, que está acontecendo.

A maneira como enfrentamos os desafios que achamos no meio do longo caminho da vida, nos define, mas o modo como contamos o que vivemos também é revelador da atitude e do caráter de alguém. O jeito descontraído, divertido e “solto” de Fernando permite vislumbrarmos uma daquelas pessoas que não necessitam de aplausos, elas encontram a recompensa em cada momento bom que presenciam, dentro de si. Isso também é um desafio, uma vitória e tanto. Mas, é claro, ele não iria se gabar.

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1 comentário

  1. Laura Jardanovski

    Dora, adorei o texto ficou muito legal, coitada da galinha. eu também queria ter feito essa viagem por todos esses lugares, deve ter sido muito divertido!

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