Uma vida, cinco países, muitas histórias

Íris Mielnik de Mello Basali

Iris

Esta é, de fato, uma história extraordinária. Um exemplo brilhante de sobrevivência que há entre “pessoas comuns” e raramente vem à tona. Susan é uma dessas pessoas: faz a diferença na vida daqueles que tem o privilégio de conviver com alguém tão especial.

No final de 1923, em Viena, uma cidade muito bonita na Áustria, ainda mais bonita quando enfeitada para o natal, nasceu Susan.

Sua mãe Gisela Pollack era viúva e casou-se novamente com Jakob Schnapp, seu pai. Eram 7 filhos – 3 do primeiro casamento e 4 do segundo. No segundo casamento só nasceram mulheres, entre elas Susan.

Sete filhos em um apartamento com apenas dois quartos não era nada fácil, sustentar a família também não, pois o pai não ganhava o suficiente para manter algum tipo de conforto. Como era muita gente e pouco espaço, tinham que se dividir – 2 meninas na sala, 4 meninas em 2 camas de solteiro no quarto, os pais em outro quarto, e o único menino, coitado, tinha que dormir na cozinha! Dentro de casa não tinha banheiro, só em um corredor para todos os apartamentos do andar, por isso todos tomavam banho também na cozinha, Susi ficava muito brava com isso, não gostava nadinha.

Susan só entrou na escola com 6 anos. Sempre era comparada com a irmã mais velha, e às vezes até era xingada pela mãe por não tirar notas tão boas como as dela. Apesar disso, Susan tinha muitos amigos (as), principalmente Sissy, com quem pulava corda e Herta, cujo os pais tinham uma sorveteria deliciosa, onde ela podia se “matar” de comer sorvete!

Um dos passeios que ela mais gostava, era caminhar no calçadão do rio Danúbio, para onde ia sempre com roupa arrumada e achava lindo!

No judaísmo não se comemora o natal ( Susan é judia), mas no prédio dela tinha uma família que não era de judeus, então no natal ela e a família iam para a casa deles. Susi ficava encantada com a árvore!

Havia também no prédio uma moça chamada Maria. Susan pensava que elas eram amigas, porém, quando os nazistas invadiram a Áustria, durante a Segunda Guerra Mundial, ela entregou todos os judeus que moravam naquele lugar.  Assim a pessoa que ela mais amava, seu pai, foi levado pelos alemães, para um campo de concentração, foi uma dor imensa no coração. Para conseguirem sobreviver, todos fugiram de trem para a Itália. Essa dor, assim como a saudade, foi infelizmente sentida por milhões de outras famílias judias. A perseguição a esse povo é um fato inesquecível na história do mundo.

Na Itália, no começo da juventude Susan trabalhava em uma loja de tecidos, assim como na Áustria. Sua primeira paixão, foi o Marcelo (também na Itália).

Certo dia, um bom italiano avisou a família, que eles precisavam fugir, pois a polícia da Áustria tinha os nomes deles, e estavam os procurando. E essa foi a viagem mais dramática da vida dela: caminhar da Itália até a Suíça, e ainda carregar a mãe. Cada um pegou uma mala muito pequena, e todos partiram. Andaram tantas horas sem parar que perderam a conta, até que se aproximaram    de uma estrada, e para a alegria de todos, o motorista de um caminhão disse que eles podiam parar, estavam na Suíça! Susan só lembra que desmaiou atrás do caminhão e não conseguiu mais abrir os olhos!

Na Suíça, trabalhava o dia inteiro servindo baldes de comida em troca da casa,  e a noite não conseguia nem levantar os ombros. Ela não podia nem encostar nos que estavam comendo, já até levou cotoveladas ,por sem querer, fazer isso.

Susan adorava dançar, e uma vez saiu com a irmã escondida. Na volta foram pegas pelo patrão e não puderam sair de casa por 6 semanas.

Passados alguns anos, já em 1945, a Guerra estava terminando e eles voltaram para a Itália, em Milão, onde conheceu Joseph seu futuro marido. Foi bem assim: Joseph vendia relógios e Susan tomava um cafezinho com a irmã e a mãe na galeria Milano. Um outro dia em uma festa judaica, Susi não tinha dinheiro e estava morta de fome quando Joseph passou e deu uma maçã para irmã dela, Susan arrancou a maçã da mão de Grete e comeu, ele ficou espantado! Mas foi assim que eles se conheceram, com uma maçã na boca.

No dia 7 de julho de 1946, eles se casaram, e ainda na Itália tiveram um filho, Henry. Três anos depois foram para Nova York tentar a vida, Joseph queria ter o próprio negócio, mas não gostou de lá. Tiveram sua segunda filha: Frances. Pouco tempo depois um casal aqui no Brasil os chamou. Foram para São Paulo, depois para Mogi das Cruzes, Joseph fundou a Elgin com dois irmãos e um primo. Também tiveram mais um filho: Daniel.

Durante mais de 30 anos e já bem estabelecida em São Paulo, ia todo final de semana para o Guarujá, onde gostava muito de tomar sol, encontrar com os amigos, jogar cartas e tomar uma caipirinha na hora do almoço!

Mesmo aqui no Brasil, Susan mantém contato com parentes e amigos de outros países.

Hoje, é mãe, tia, avó, bisa…  Segue sempre sua rotina, é bem arrumada e contente. As vezes pode estar brava, mas sempre está linda!

Agora que Susan já completou 92 anos, seu conselho para a vida é: “ faça o que você gosta, aproveite a vida e obedeça sua mãe!

Susi pode e deve se orgulhar de onde está hoje. Porque vem de longe e de muitas histórias que não se poderia imaginar. Viva Susan!

Iris

 

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1 comentário

  1. Frances

    Seus comentários *muito interessante a proposta do trabalho . Gostei muito da fluidez e graça do texto , Iris, parabens. Muitos detalhes coloriram seu relato. Ficou completo sem parecer chato. Adorei. Parabens!

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