Por Carolina Galvão Xavier
José Tavares Correia de Lira (ou Zezinho), nasceu em Recife PE, 8 de Janeiro de 1967.
É o terceiro filho de sua mãe, que teve quatro filhos, Ana, Lula, José e Cristina, mas depois, ela se divorciou de seu pai, e no segundo casamento, teve outra filha, Mariana, quando José já havia completado quatorze anos.
A família era relativamente grande e todos moravam no mesmo bairro, Casa Forte, e a maioria na mesma Rua, Flor de Sant’Ana.
Zezinho morava com seus irmãos e sua mãe em uma casa que ela mesma havia projetado (era uma arquiteta).
Todos os primos (entre eles meu pai) brincavam juntos na rua. O lugar era calmo e não havia muito movimento de automóveis. O bairro de Casa Forte tinha muitas praças e a cidade onde moravam, Recife, era muito arborizada na época.
A avó de José e de seus primos, “vovó Mercês”, reunia todos os netos para passarem uma temporada de férias em sua casa de praia em Tamandaré. Todos os primos dormiam no mesmo quarto (os meninos num, e as meninas n’outro). A farra era grande entre os netos e a avó. Os pais da criançada, vinham apenas aos fins de semana, “trazer notícias da civilização”. De vez em quando, uma tia ou ajudante passava uma ou duas semanas ajudando Dona Mercês a cuidar daquela “cambada”.
A praia de Tamandaré era bem diferente do que é agora. A areia era limpa e o espaço era praticamente deserto. Havia apenas uns poucos veranistas, moradores e alguns pescadores. E essas poucas pessoas que frequentavam a praia, eram conhecidas de José e de seus primos. Na verdade, tudo era literalmente, um paraíso, de águas cristalinas e conchinhas coloridas…
As outras temporadas das férias, eram dessa vez, passadas no hotel de Dona Mercês, o Hotel Tavares Correia, em Garanhuns, lotado de terrenos separados das estalagens onde os hospedes ficavam. Todos podiam jogar bola, jogos, amarelinha, e outros divertimentos naqueles terrenos. Era também muito arborizado, e cheio de animais.
O hotel, na verdade, foi fundado pelo avô de José, nos anos 20 como hospital de repouso para tratar de pessoas com problemas cardíacos. Esse avô, morreu muito cedo, e, apesar de não ser médica, dona Mercês, sua esposa, manteve o hospital em forma de hotel.
O aniversário de José era nas férias de verão, na praia de Tamandaré. Não havia como chamar os amigos do colégio para fazer uma festa, e não havia comércio (não dava para comprar bolo e presentes de verdade) então, ao invés de receber brinquedos, ele recebia um gibi usado, uma moeda antiga, uma conchinha da praia, um caramujo…
José era uma criança calma comparada aos amigos e irmãos; em seu primeiro dia de aula, não queria de jeito nenhum sair do carro. Ele agarrou-se a janela, enquanto sua mãe puxava-o pelo tornozelo, tentando faze-lo se redimir: “Eu não quero ir! EU NÃO QUERO IR!” esse mesmo comportamento persistiu até José deduzir, que ele teria de ir para a escola de qualquer maneira. Desceu do carro, e adentrou o prédio em que colegas desconhecidos e os professores (seriam legais ou chatos?) o aguardavam. A escola era maravilhosa apesar dos colegas estranhos, que mais tarde, tornaram-se seus amigos. As professoras tratavam seus alunos como parentes, amigos. A última aula do dia era conhecida como “aula de dormir” porque a professora levava os alunos até a sombra de uma árvore, armava pequenas espreguiçadeiras na grama, e começava a contar uma história, até os alunos adormecerem.
José podia ser aplicado e estudioso, mas brigava muito com seu irmão, Lula, um ano e meio mais velho do que ele. Os dois eram completamente diferentes: José organizado, Lula bagunceiro; José calmo, Lula arteiro;
Um dia, Lula fez alguma coisa com José. Bateu nele, ou o beliscou, mas devia ser algo bem irritante, porque logo que se deu conta do que havia acontecido, José pegou um pequeno ventilador, e arremessou-o contra Lula. O ventilador não atingiu seu alvo, mas cravou bem fundo na porta da sala…
As casas de Recife, na época eram cercadas por muros, que se interligavam uns nos outros, formando pequenas calçadas. Uma das brincadeiras de José e de seus primos, era andar em cima daqueles muros, que cercavam todas as casas do bairro: Subiam em uma árvore, e saltavam para cima dos muros. O objetivo, era andar o bairro inteiro sem cair.
Outra brincadeira de que José gostava muito, funcionava apenas no hotel Tavares Correia, que era andar nas paredes. Não era exatamente “andar nas paredes”. Era, na verdade, se colocar no espaço entre uma parede e outra, e começar a deslizar por todos os corredores do hotel sem cair.
Colher frutas dos pés era outro passatempo que José curtia em cima das árvores do Bairro. Colher uvas, caju, seriguela, banana, laranja e outras frutas que haviam disponíveis pelas praças e as casas dos amigos e vizinhos.
Casinha era uma outra brincadeira de maior valor. Era assim: Virava-se todos os móveis da casa de cabeça para baixo, formando uma estrutura boa, e firme. Depois, pegava-se colchas, lençóis e edredons por cima daquela estrutura, formando a tal casinha. José passava horas e horas montando aquela cabaninha com os irmãos, e depois daquele trabalhão todo, deitavam-se no interior da casinha, e ficavam lá cochilando, até a mãe encontrar os móveis virados, e todos os tecidos e lençóis da casa servindo de telhado, e distribuir broncas e gritos para os pequenos responsáveis por aquele fuzuê.
José e o resto da garotada do Bairro brincavam todos juntos também de Roda, cantando cantigas enquanto giravam de mãos dadas. Brincadeiras de carnaval, como dança de frevo, Bumba-meu-Boi no São-João, e Pastoril: Menininhas pequenas, que usavam roupinhas de pastora, azuis ou vermelhas, e seguravam cordões da mesma cor de sua roupa, tentando conquistar a atenção do público, cantando cantigas bem bonitas. De vez em quando, uma pastorinha jogava pelos dois lados, tentando confundir o público para a indecisão. Borboletas eram outras menininhas pequenas que dançavam cantando bem baixinho: “Borboleta pequenina venha cá pro meu cordão. Venha ver quanta beleza que hoje é noite de natal!”.
José não era tão bom em esportes. Gostava mais de brincadeiras. Os únicos esportes de que gostava eram natação, pingue-pongue, e baralho (se é que isso pode ser chamado de esporte). Sua tia dizia que José era tão bom em baralho, que ela o levaria para Las-Vegas. Sua maior parceira de jogo, era sua avó, que acompanhava todas as suas jogadas.
Uma lembrança marcante da sua infância, foi uma viagem que fez com seu tio Lívio, e sua tia Lúcia, (meu avós) que tinham outros três filhos, Isabel, Daniel (meu pai) e Adriano. Eles foram ao Ceará, visitar os parentes que moravam por lá. O carro de “tio Lívio”, era uma Variante amarela que tinha um porta malas imenso, em que cabiam todas as seis crianças – Ana, Lula, José, Isabel, Daniel e Adriano –, e elas viajaram lá. A viagem de Recife para o Ceará era muito longa, tão longa, que “tia Lúcia” deu a todas as crianças calmantes para que dormissem todo o percurso. Ao acordarem, estavam em meio a um rio de águas cristalinas e tão brancas, que pareciam as águas de uma piscina. Cascalhos lisos cobriam o chão do riozinho raso.
Não tardaram a conhecer a região. Foram a Fortaleza e para a granja onde morou ”tio Lívio”. Ficaram hospedados em uma casa maravilhosa, onde em seu terreno, tinha um galinheiro, e todos os dias, tinham novos ovos. Atrás do terreno da casa, havia uma fábrica de cera (que fabricava velas, e coisas do tipo).
Depois de um tempo por lá, foram a um lugar chamado “Parazinho”, onde a família de “tio Lívio” se reunia. Cada hóspede da casa tinha uma rede onde se dormia comia e conversava.
Lá, havia uma feira que ocupava todo o espaço da cidade. Era uma feira livre, que vendia de tudo: Bonecos de palha, tecido, origami prata, ferro, chumbo, bronze, cobre, ceda madeira, alimentos, porcelana, cerâmica…
Um dia, ainda no Ceará, José foi caminhar perto do rio acompanhado do resto da turma. Assim que chegaram perto do rio, foram surpreendidos por uma tribo de índios, que vinham tomar banho e lavar roupas. Entre crianças e adultos, havia uma senhora, tão velhinha, mais tão velhinha, que José julgou ela ter 120 anos de idade. Ela despiu a pouca roupa que vestia, e entrou na água. Foi a primeira que José viu uma mulher nua…
Mas agora voltando à Recife e ao Bairro Casa Forte, José e seus irmãos tiveram uma cadelinha chamada Laia, que morreu. Logo depois de Laia, os meninos adotaram um cachorrão chamado Toni, que infelizmente não era muito simpático com ele… José sempre quis ter um coelhinho, mais nunca realizou seu desejo, embora sua tia tivesse uma criação de coelhos, e ele sempre quisesse levar um daqueles para casa. Uma tarde, ele e sua irmã, Ana, receberam o convite de uma das amigas de Ana para irem almoçar em sua casa. Ao entrarem em seu quarto, José deparou com um coelhinho de Pelúcia. Agarrou o coelhinho, e assim permaneceu até a hora das despedidas, quando ele conseguiu convencer Ana e sua amiga a deixa-lo ficar com o bonequinho.
José demorou a entrar na adolescência. Era um adolescente meio menino, baixinho, sem barba ou bigode. Os seus colegas iam ao cinema com garotas, namorar, e ele já era mais solitário, apesar de ser apaixonado pela menina que o fazia companhia na saída da escola… Sua mãe e o pai dela iam buscar os meninos uma hora depois do final da aula, e os deixavam esperando no portão do colégio, conversando. Uma tarde José tomou coragem, e a convidou para ir ao cinema.
No grande dia, José fez a si mesmo uma promessa: “Eu vou pegar na mão dela! EU VOU PEGAR NA MÃO DELA!”. Ao chegar na porta do cinema, ela já estava lá, muito bonita, usando batom (adolescentes estavam começando a adquirir o hábito de usar batom, isso então em 1982, ou menos até) e um belo vestido.
Ao entrarem na sala onde o filme era reproduzido, encontraram os colegas da escola lá, sentados nas poltronas aguardando o início do filme. O nome do filme era “O Campeão”, e não era lá muito romântico, pois relatava a história de um divórcio, e de um garoto que ficava ouvindo as brigas dos pais. José chorou tanto, que nem se lembrou de pegar na mão de ninguém, e além do mais, ela chorava ao seu lado.
Não viajava muito na adolescência, mas uma de suas poucas viagens, durou um mês inteiro. José viajou, acompanhado de duas amigas, a quatro estados: Rio Grande do Norte, Maranhão, Ceará e Piauí. Cada um levou uma mochila de roupas, uma rede e uma barraca.
Nos últimos dois dias da viagem, os três tinham apenas alguns trocados, e com esse pouco dinheiro, compraram uma passagem de ônibus para o Maranhão, que não haviam planejado conhecer quando decidiram viajar. Conheceram Teresina, foram para a casa do pai de uma das meninas, ficaram abastecidos de comida e com um pouco de dinheiro para comprar outra passagem de ônibus de volta para Recife.
Ao chegarem na casa do pai de uma dessas duas amigas, estavam mortos de fome, mas ao mesmo tempo envergonhados de pedir um prato de comida para os anfitriões.
Puseram algumas cadeiras no jardim, e começaram a conversar com o pai da amiga, a contar sobre a viagem, e nesse meio tempo, avistaram uma bananeira, com um cacho de bananas imenso, carregado de frutos. Os três amigos, famintos e sozinhos, devoraram o cacho inteiro, sem deixar uma única banana…
José estudou arquitetura em Recife como sua mãe, veio morar em São Paulo com vinte três anos e fez pós-graduação em arquitetura. Fez outra graduação em filosofia, e hoje é professor no Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de São Paulo.
José viajou e ainda viaja muito. Já foi para quase todos os estados do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Morou duas vezes nos EUA, viajou pela Europa, morou um ano na França, Israel, Marrocos, Cingapura, México, Espanha, Polônia e Ucrânia.
Durante o ano em que passou morando em Paris, no final da sua estadia, por acaso, encontrou três ex-alunos seus, que estavam de passagem. Como não se viam há muito tempo, foram jantar juntos num restaurante ali por perto, e quando já estavam terminando de comer, homens mascarados e armados entraram no restaurante atirando balas para todos os lados. José conseguiu se esconder dos terroristas, e voltou imediatamente para o Brasil.
Uma coisa que ele considera importante, é um conjunto de bonecos de cerâmica fabricado por uma artista popular de Alto do Moura, perto de Caruaru. Representa um grupo de retirantes. O conjunto lhe foi dado por sua mãe, pouco depois de ele ter se mudado para São Paulo.
Outro objeto que ele considera importante, é uma matriz de xilogravura que representa um fabricante de louças. A matriz pertencia a sua tia Cristina, que mais tarde, inspirou o nome de sua irmã, Maria Cristina, Quica como é chamada.
2 Comentários
Kátia
24 de junho de 2016em 20:31Lindas memórias do Tio ZezinhoSeus comentários *
Roberta
27 de junho de 2016em 21:27Lindas memórias! Uma delícia de leitura!
Deu para imaginar direitinho cada passagem, descrita com tanta delicadeza.
Parabéns Carolina pelo texto! E, obrigada Zezinho pela riqueza de detalhes.